Neste livro de estreia, Marcio Colmerauer conduz o leitor através de um labirinto vaporoso, onde se abrigam velhas lembranças de uma época em que o Rio vivia em permanente aconchego com seus habitantes. No lusco-fusco da sua memória afetiva, as imagens que afloram aqui e ali, recolhidas nas dobras do tempo, confundem-se com a trajetória dos protagonistas do livro, em que o autor também desempenha importante papel, como Flaubert, que tinha o hábito de incorporar-se à trama dos romances que escrevia.
Shakespeare dizia que todos nós somos atores, alguns bons, outros canastrões, mas todos com um momento de entrada e saída no drama para o qual não fomos convidados. Os personagens que habitam O pássaro de ferro têm alma, carne e osso. Moravam no mesmo bairro, frequentavam as mesmas festas, os mesmos cinemas, a mesma praia na Barra da Tijuca. Eram amigos desde os tempos de colégio. Ao acaso, voltariam a se encontrar, trinta anos depois, para participar de uma experiência fascinante: tirar do papel o projeto de um novo helicóptero que daria também um novo rumo às suas vidas.
Histórias jamais reveladas alcançam pela primeira vez a superfície. Amparado por um texto objetivo, direto, despojado de clichês ou de arabescos literários, o autor resgata a trajetória dos obstáculos enfrentados nessa incrível maratona. Um dos méritos do livro é justamente livrar-se da caligrafia bordada dos monges medievais para evitar que fosse confundido com um breviário sobre a arte de combater o crime e o pecado a bordo de uma aeronave policial. O pássaro de ferro reproduz a saga de um grupo de jovens amigos, unidos pelos mesmos sentimentos e desejos de mudança, que venceram dificuldades inimagináveis para materializar um projeto que, para muitos, era contabilizado como delírio.
Por meio de uma estrutura narrativa construída em camadas, que se movem também, de um lado para outro, são trazidos à luz pequenos segredos. São reveladas, pela primeira vez, as áreas de sombra que envolveram a construção de uma aeronave que mudaria para sempre a natureza do confronto entre a polícia e as quadrilhas de traficantes que infestavam as encostas do Rio. Entrincheirados nos pontos mais elevados de uma cidade que se acotovela entre o mar e a montanha, esses grupos sempre desfrutaram das vantagens oferecidas pela acidentada topografia que dificultava o trabalho da polícia e assegurava a longevidade dos seus negócios.
