Lágrimas Na Chuva: Uma Aventura Na URSS

Eu jamais conseguira escrever sobre o tempo que vivi em Moscou. Pouco depois da volta ao Brasil, em 1965, tentei fazê-lo e o trabalho não prosperou, talvez porque minhas emoções ainda estivessem muito cruas e desordenadas. No mesmo ano fui preso em Porto Alegre pela Interpol.

Enquanto estive recolhido à antiga sede dessa polícia, na Praça do Portão, os agentes forçaram a porta de meu apartamento no Hotel Carraro e apreenderam todos os meus papéis: cartas, fotografias, documentos e parte do relato que, bem ou mal, eu começara a desenvolver. Usaram-no para me interrogar e aquelas páginas, para mim, tornaram-se pouco menos que malditas.
Mais tarde, em Alegrete, publiquei meus primeiros contos. Meu tio, o médico Eduardo Faraco – que foi reitor da UFRGS –, mostrou-os a Erico Verissimo, que em seguida me escreveu, convidando-me a visitá-lo em Porto Alegre. Eu o fiz. Ele me perguntou se não pensava escrever sobre minha estada na União Soviética. Respondi que, de fato, tinha essa intenção, embora minha experiência não fosse edificante. Ele ficou pensativo, depois disse que, se era assim, talvez fosse ainda menos edificante narrá-la enquanto vivíamos, no Brasil, sob uma ditadura militar. Ele tinha razão.
Dos anos setenta aos noventa não pude voltar àquele passado, era a época da minha ficção, mas ele continuava a palpitar, fazendo-se lembrar a cada instante como um outro corpo dentro do meu corpo. Tinha eu o direito de matá-lo? Ou de permitir que morresse com minha morte?
No filme de Ridley Scott, Blade runner, o androide Roy Batty, na agonia da morte, evoca sua atuação em remotas paragens do Universo: “Eu vi coisas que vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro na Comporta Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva”.
Vi menos, mas vi, e aquilo que vi, num quintalejo de angústias terrestres, há de se perder no tempo pelos meus defeitos de escritor e não por ter deixado de narrá-lo. O relato, aqui, começa na viagem de ida e termina na viagem de volta. Mas a história que, durante tantos anos, tive de sufocar como a um grito, essa história não termina aqui.

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Eu jamais conseguira escrever sobre o tempo que vivi em Moscou. Pouco depois da volta ao Brasil, em 1965, tentei fazê-lo e o trabalho não prosperou, talvez porque minhas emoções ainda estivessem muito cruas e desordenadas. No mesmo ano fui preso em Porto Alegre pela Interpol. Enquanto estive recolhido à antiga sede dessa polícia, na Praça do Portão, os agentes forçaram a porta de meu apartamento no Hotel Carraro e apreenderam todos os meus papéis: cartas, fotografias, documentos e parte do relato que, bem ou mal, eu começara a desenvolver. Usaram-no para me interrogar e aquelas páginas, para mim, tornaram-se pouco menos que malditas.
Mais tarde, em Alegrete, publiquei meus primeiros contos. Meu tio, o médico Eduardo Faraco – que foi reitor da UFRGS –, mostrou-os a Erico Verissimo, que em seguida me escreveu, convidando-me a visitá-lo em Porto Alegre. Eu o fiz. Ele me perguntou se não pensava escrever sobre minha estada na União Soviética. Respondi que, de fato, tinha essa intenção, embora minha experiência não fosse edificante. Ele ficou pensativo, depois disse que, se era assim, talvez fosse ainda menos edificante narrá-la enquanto vivíamos, no Brasil, sob uma ditadura militar. Ele tinha razão.
Dos anos setenta aos noventa não pude voltar àquele passado, era a época da minha ficção, mas ele continuava a palpitar, fazendo-se lembrar a cada instante como um outro corpo dentro do meu corpo. Tinha eu o direito de matá-lo? Ou de permitir que morresse com minha morte?
No filme de Ridley Scott, Blade runner, o androide Roy Batty, na agonia da morte, evoca sua atuação em remotas paragens do Universo: “Eu vi coisas que vocês nunca acreditariam. Naves de ataque em chamas perto da borda de Orion. Vi a luz do farol cintilar no escuro na Comporta Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva”.
Vi menos, mas vi, e aquilo que vi, num quintalejo de angústias terrestres, há de se perder no tempo pelos meus defeitos de escritor e não por ter deixado de narrá-lo. O relato, aqui, começa na viagem de ida e termina na viagem de volta. Mas a história que, durante tantos anos, tive de sufocar como a um grito, essa história não termina aqui.

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