A questão da intersubjetividade e sua consequente implicação filosófica no âmbito da psicologia infantil recebe um tratamento sui generis nas mãos do fenomenólogo francês Maurice Merleau-Ponty.
É verdade que não têm sido poucas as vezes em que a obra desse autor sempre se manteve aberta, absolutamente aberta, a outras perspectivas de pensamento, em especial aos estudos clínicos que, após Freud, projetaram outro alcance no circuito da tradição psicanalítica.
Os trabalhos de Winnicott se inscrevem nesse cenário, embora não existam evidências de que ele e Merleau-Ponty tivessem se conhecido ou, ao menos, tido algum contato intelectual via seus escritos.
O fato é que ambos parecem perspectivar importantes pontos de convergência, especialmente no que tange, por exemplo, aos conceitos de “espaço transicional”, como proposto por Winnicott, e “campo fenomenal”, como elaborado por Merleau-Ponty.
A nova ontologia, ou a chamada “ontologia da carne”, formulada por Merleau-Ponty, acena, em grande medida, para o importante contributo do pensamento psicanalítico no horizonte da fenomenologia.
Merleau-Ponty, desde cedo, mostrou-se um grande simpatizante das ideias de psicanalistas ortodoxos como Freud, Lacan e Melanie Klein, sobretudo porque esse movimento procurou devolver ao corpo o seu sentido mais amplo, originário, afastando-se dos ideais puramente mecanicistas vigentes na tradição filosófica e nas ciências médicas, de orientação cartesiana.
Quanto a Winnicott, por sua vez, trata-se de um eminente psicanalista, que, embora tendo mantido estreitos laços com seus precursores ortodoxos, acabou por desenvolver um pensamento muito próprio, original e propositivo.
Malgrado o fato de que mantiveram interlocutores em comum, não há qualquer evidência mais concreta de que Merleau-Ponty e Winnicott tenham se conhecido e menos ainda pela leitura das obras um do outro; porém, não deixa de chamar atenção a proximidade e a complementaridade entre as ideias desenvolvidas por ambos.
Neste trabalho pretendemos investigar a teoria winnicottiana acerca do desenvolvimento infantil, bem como a importância da relação entre a criança e outrem (particularmente, o adulto) no tocante ao surgimento de uma consciência capaz de relacionar-se com o mundo de maneira saudável.
Entendemos que esse tema, abordado pela psicanálise infantil, encontra plena ressonância no interior do debate fenomenológico acerca da intersubjetividade, tendo como referência singular a figura de Merleau-Ponty.