Jonathan Swift – Viagens De Gulliver
Quem lê pela primeira vez a versão original de Viagens De Gulliver, tendo como pano de fundo uma vaga lembrança de adaptações infantis, espanta-se ao constatar que tem nas mãos um dos textos mais amargos do cânone ocidental.
Como observa George Orwell, o livro de Jonathan Swift, apesar de todo o seu ressentimento e misantropia, é uma obra deliciosa, que permite vários níveis de leitura.
É primeiro um livro de viagens – ou melhor, uma sátira aos livros de viagens, tal como Dom Quixote é, entre outras coisas, uma sátira aos romances de cavalaria; para as crianças, é uma história de aventuras, cheia das criaturas fantásticas e do humor escatológico de que tanto gostam; e é um dos marcos iniciais da ficção científica.
Entretanto, o que mais fascina o leitor maduro nessa obra publicada pela primeira vez em 1726 é o olhar implacável que seu autor volta sobre o homem, suas instituições, seu apego irracional ao poder e ao ouro, e sua insistência em prolongar a vida mesmo quando esta só proporciona sofrimento.
Viagens De Gulliver é escrita no início do século dezoito, antes mesmo de o gênero romance ser reconhecido como tal, numa época em que havia os relatos de histórias reais, como naufrágios, e os relatos de histórias fingidas.
Era muito difícil separar umas das outras, porque as histórias forjadas, como Viagens De Gulliver, geralmente eram assinadas pela personagem protagonista e costumava haver toda uma explicação, na abertura, em que um pseudo editor contava que havia recebido o manuscrito através de um intermediário, enviado pelo autor, que é o protagonista da história.
Quanto mais realista essa apresentação parecesse, mais bem sucedida era a publicação. É claro que um leitor precisaria ser muito ingênuo para acreditar que alguém visitou a terra dos mortos ou conversou na língua de cavalos, mas a verdade é que o público da época gostava desse toque de reportagem jornalística, relato de viagem ou crônica de outras terras que Viagens De Gulliver não deixa de ter.
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