Uma Leitura De Canções Sem Metro

Que outros se jactem das páginas que escreveram; a mim me orgulham as que li.
(Borges – Elogio da sombra, “Um leitor”).
Vindas de alguém reconhecido por seus escritos, as palavras da epígrafe podem parecer estranhas... talvez porque muitas vezes esqueçamos que um escritor é antes um leitor.
Além de a leitura ser um passo inicial da escritura, de certo modo o ato de escrever se confunde com o de ler, e o ato de ler se confunde com o de reescrever. Poderíamos até imaginar autor, texto e leitor amalgamados no ato da leitura, pois aqueles de fato nascem ante os olhos deste.


Tal pensamento exprime-se de forma interessante, quase religiosa, em um livro de Alberto Manguel, quando se discute a relação entre escritor e leitor:
Trata-se de uma relação frutífera, mas anacrônica, entre um criador primordial que dá à luz no momento da morte e um criador post-mortem, ou melhor, gerações de criadores post-mortem que possibilitam que a criação fale e sem os quais toda escrita está morta. Desde os primórdios, a leitura é a apoteose da escrita.
Em outra parte, o mesmo autor expõe um depoimento de Sartre sobre seu diálogo com os livros:
Tal como Platão, passei do conhecimento para seu objeto. Via mais realidade na idéia do que na coisa. Era nos livros que eu encontrava o universo: digerido, classificado, rotulado, meditado, ainda assim formidável.
Indiretamente, essas palavras desvelariam um “engano” de Platão: em sua cosmologia, o filósofo concebe um mundo inteligível e um sensível; no livro X de A república, estendendo tal concepção à arte mimética, considera-a capaz de atingir somente um nível de verossimilhança, constituindo uma “imitação” da “imitação do artífice”, portanto ainda mais distante da verdade original; dessa maneira, a criação mimética tornaria a arte algo “falso”, uma ilusão perigosa por afastar o homem do ideal.
Felizmente (e Platão talvez o soubesse), ao invés de afastar o homem a um terceiro grau do plano inteligível, a criação literária (mimética) tão temida forja a mais concreta experiência do mundo das ideias; como transparece no testemunho de Sartre, a leitura afirma-se o ideal platônico de apreensão do conhecimento, uma ascese ao universo luminoso das ideias.
Embora questione os artistas miméticos, autores de um terceiro nível de aparências, a obra de Platão revela-se cada vez mais poética... mais verdadeira.

Faça uma doação para a Biblioteca Livr’Andante

e ganhe esta camisa ou escolha outros dos

nossos brindes.

Links para Download

Link Quebrado?

Caso o link não esteja funcionando comente abaixo e tentaremos localizar um novo link para este livro.

Deixe seu comentário

Mais Lidos

Blog

Uma Leitura De Canções Sem Metro

Que outros se jactem das páginas que escreveram; a mim me orgulham as que li.
(Borges – Elogio da sombra, “Um leitor”).
Vindas de alguém reconhecido por seus escritos, as palavras da epígrafe podem parecer estranhas… talvez porque muitas vezes esqueçamos que um escritor é antes um leitor.
Além de a leitura ser um passo inicial da escritura, de certo modo o ato de escrever se confunde com o de ler, e o ato de ler se confunde com o de reescrever. Poderíamos até imaginar autor, texto e leitor amalgamados no ato da leitura, pois aqueles de fato nascem ante os olhos deste.
Tal pensamento exprime-se de forma interessante, quase religiosa, em um livro de Alberto Manguel, quando se discute a relação entre escritor e leitor:
Trata-se de uma relação frutífera, mas anacrônica, entre um criador primordial que dá à luz no momento da morte e um criador post-mortem, ou melhor, gerações de criadores post-mortem que possibilitam que a criação fale e sem os quais toda escrita está morta. Desde os primórdios, a leitura é a apoteose da escrita.
Em outra parte, o mesmo autor expõe um depoimento de Sartre sobre seu diálogo com os livros:
Tal como Platão, passei do conhecimento para seu objeto. Via mais realidade na idéia do que na coisa. Era nos livros que eu encontrava o universo: digerido, classificado, rotulado, meditado, ainda assim formidável.
Indiretamente, essas palavras desvelariam um “engano” de Platão: em sua cosmologia, o filósofo concebe um mundo inteligível e um sensível; no livro X de A república, estendendo tal concepção à arte mimética, considera-a capaz de atingir somente um nível de verossimilhança, constituindo uma “imitação” da “imitação do artífice”, portanto ainda mais distante da verdade original; dessa maneira, a criação mimética tornaria a arte algo “falso”, uma ilusão perigosa por afastar o homem do ideal.
Felizmente (e Platão talvez o soubesse), ao invés de afastar o homem a um terceiro grau do plano inteligível, a criação literária (mimética) tão temida forja a mais concreta experiência do mundo das ideias; como transparece no testemunho de Sartre, a leitura afirma-se o ideal platônico de apreensão do conhecimento, uma ascese ao universo luminoso das ideias.
Embora questione os artistas miméticos, autores de um terceiro nível de aparências, a obra de Platão revela-se cada vez mais poética… mais verdadeira.

Faça uma doação para a Biblioteca Livr’Andante

e ganhe esta camisa ou escolha outros dos

nossos brindes.

Link Quebrado?

Caso o link não esteja funcionando comente abaixo e tentaremos localizar um novo link para este livro.

Deixe seu comentário

Pesquisar

Mais Lidos

Blog