
Um coelho consegue misteriosamente sair de sua gaiola sempre que tem fome de cenouras ou de vida. Crianças e adultos se envolvem no mistério desse coelho que mexe rapidamente seu nariz para tentar compreender o mundo. Uma mulher mata dois peixes vermelhos e narra sua busca por perdão. A inveja de uma figueira que não dá frutos move Ulisses, o cachorro, e galos e galinhas que vão tentar conviver em um palco que se instaura em um curioso espaço: uma Odisseia em um quintal vizinho. Laura, se existisse, sentiria medo, conheceria o propósito de sua existência e seria linda na aparência e na essência.
Em torno desses enredos, Clarice Lispector escreveu quatro livros infantis: O mistério do coelho pensante, A mulher que matou os peixes, A vida íntima de Laura e Quase de verdade, escrito em 1977, com publicação póstuma em 1978.
Ficções De Infância investiga essas obras, situando-as em um seu contexto de produção, baseando-se em análise bibliográfica de uma parte da fortuna crítica da escritora, suas correspondências, biografias, no empenho teórico-crítico de formular concepções implicadas nos dispositivos estético-literários dessas obras.
Articulada à linha “Desafios do Contemporâneo: teorias e crítica”, do Programa Literatura, Cultura e Contemporaneidade, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Ficções De Infância investiga as inter-relações entre esses textos literários – a poética de Clarice Lispector com crianças – e as ficções engendradas através de infância, de criança, de animal, de humano.
As narrativas de Clarice para o público infanto-juvenil não se articulam na produção mais ampla da escritora como um projeto estético-literário tal qual evidencia-se na obra de escritores como Monteiro Lobato, Ruth Rocha, Ana Maria Machado ou Lygia Bojunga. Na escrita de Lobato, que alimentou por décadas o imaginário de milhares de leitores brasileiros, havia o desejo de extirpar a literatura da literatura para crianças: “sem nenhum enfeite literário” e construir um texto em que as crianças pudessem morar, “Não ler e jogar fora; sim morar, (…).”
O mesmo não se dá com Clarice. Não pensava em escrever para crianças. Quando um editor lhe solicita um livro infantil, lembra-se de seu The mistery of the thinking rabbit, escrito a pedido de seu filho mais velho em 1957, traduz o texto de uso doméstico e vem a público O mistério do coelho pensante.











