A inglesa Lucie Blackman tinha 21 anos quando desembarcou em Tóquio, em 2000, a fim de fazer um pé-de-meia com o dinheiro ganho em seu novo emprego, o de hostess num clube noturno da cidade.

Como outras estrangeiras no bairro boêmio de Roppongi, sua atividade — enraizada na vida noturna japonesa — consistia em conversar com homens em busca de companhia e diversão.
No clube Casablanca, ela servia bebidas aos clientes, agradava-lhes com palavras elogiosas e ouvia as histórias e fantasias que eles sopravam em seus ouvidos. Eventualmente, também os acompanhava em almoços e jantares, mas sem ter com eles qualquer envolvimento sexual.
Foi num desses encontros, na tarde de um sábado agitado, que Lucie desapareceu.
Em Devoradores de sombras, o jornalista britânico Richard Lloyd Parry conta a história desse desaparecimento e dos eventos que se seguiram a ele: a comoção na Inglaterra e no Japão, a arrastada investigação da polícia de Tóquio, a mobilização feita pela família de Lucie e a descoberta de seu corpo desmembrado e dos crimes sexuais praticados pelo milionário Joji Obara, cujas dissimulações e segredos levaram a Justiça japonesa a enfrentar um de seus mais complexos julgamentos nas últimas décadas.
Graças a um “milagre de alquimia literária”, como definiu o crítico David Pilling, do Financial Times, o jornalista consegue construir estritamente a partir de fatos concretos um intrincado “romance real”, conduzindo o leitor cada vez mais longe nos meandros da sociedade japonesa e na história de uma jovem que se ressentia de ser muito comum ou, como ela escreveu em seu diário, “tão invisível”.
É justamente o contraste entre o comum e o excepcional, o familiar e o estrangeiro, o visível e o invisível, o banal e o trágico que faz a força e atualidade deste livro notável. Iluminada pela tragédia de Lucie, a biografia trivial de sua família ganha aspectos extraordinários, romanescos, e os mistérios em torno de seu suposto assassino se cobrem de sombras ainda mais densas.