Nas próximas páginas, o leitor encontrará um livro de história. Ou de muitas histórias, lugares e personagens que se encontram. É a história do sul do Brasil nos dois primeiros séculos de colonização portuguesa.
Da Bahia para cima havia riqueza; para baixo, antes do ouro, a vida foi muito dura. É a história do Rio de Janeiro, mas não apenas do Rio, porque está intimamente entrelaçada com a história de São Paulo.
O Rio, o leitor lerá mais de uma vez nas próximas páginas, nasceu para que São Paulo sobrevivesse. E uma história que é tanto do Rio quanto de São Paulo termina por ser, também, uma história de como um pedaço do Brasil nasceu.
A história desta relação entre as duas cidades é, mesmo quando discreta, a linha condutora. Salvador era a capital, representante de Lisboa na terra. São Paulo, a cidade bandeirante. Rebelde.
O Rio ficou no meio: bandeirante e oficial. Malemolente. Até a descoberta do ouro, o Rio mediou a relação da Coroa com os rebeldes. Esta história é também uma saga familiar. O sul do Brasil – não só o Rio – é invenção da família Sá. Porque esta malemolência, este espírito de fluir entre uma identidade e outra sem nunca se definir por completo é coisa que os descendentes de Mem de Sá aprenderam governando o Rio e gerenciando a relação entre o Império e as peculiaridades deste sul indômito da colônia.
Os Sá eram bandeirantes de se embrenhar na mata com gibão e pés descalços, falando tupi, comendo farofa e caçando com arco. E eram fidalgos do reino, capazes de discutir a geopolítica do Império em Lisboa e a relação entre as colônias da China, da Índia e da África enquanto vestiam puro linho e casaca de seda.
O carioca que, no domingo, discute cheio de gírias o futebol com o barraqueiro da praia enquanto veste apenas sunga, cerveja à mão, e que, na segunda, de terno, janta ao bom vinho e fala inglês destrinchando contrato com multinacional é descendente cultural dos Sá, mesmo que não o saiba.
Na língua que falamos na rua, não poderia ser mais simples: até nossa marra de carioca é coisa dos Sá. Eles inventaram isso. Criaram essa identidade. Esse nosso jeito. A história contada neste livro não é, portanto, apenas do Rio. Nenhuma história é solta do todo.
Pedro Doria – 1565: Enquanto O Brasil Nascia
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