
O pensamento de Rousseau se desenvolve a partir da oposição entre pares de conceitos, situados em registros distintos, próprios do estatuto que cada texto assume no conjunto de sua obra.
O primeiro par, presente sobretudo no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, e, em certa medida, também no Contrato social, diz respeito à oposição entre natureza e artifício, ou, mais precisamente, entre o os conceitos de estado de natureza e estado civil.
Como modelos ideais e distintos de perfeição, ou como ideias reguladoras, o primeiro, o estado de natureza, permite que possamos medir a distância que separa o homem civilizado de sua condição e liberdade originárias.
O segundo, o estado civil tal como é descrito no Contrato social, permite que calculemos a distância que há entre nossas sociedades corrompidas e a república livre.
A esta primeira oposição corresponde uma outra, entre o indivíduo e o cidadão. O primeiro, guiado por suas inclinações naturais, é uma unidade; o segundo, guiado pela lei, é uma fração do todo que é a sociedade.
Ocorre que, para Rousseau, dentre nossos dons naturais está a consciência, capaz de nos fazer distinguir o bem e o mal e guiar nossa conduta com base nestes valores. Mas, no caso do cidadão, o guia da ação não pode ser a consciência individual, mas a lei, que é uma espécie de consciência pública.
Natalia Maruyama, ao analisar neste livro o funcionamento destes conceitos opostos na obra de Rousseau, tem mérito de mostrar a sua compatibilidade, sem entretanto negar o seu caráter aporético, e centra sua argumentação sobre o lugar da noção de consciência moral na reflexão política rousseauniana.
Toma a noção de consciência não apenas no seu sentido normativo, como guia para a conduta individual, mas sobretudo como uma capacidade de interiorização de normas e convenções, ou como a faculdade que permite o consentimento necessário para a aprovação de valores e normas de conduta reconhecidos na vida social, o que leva à noção de consciência pública.
