Antes de qualquer coisa, preciso dizer que concordo com Armando Freitas Filho: “Drummond é o cara”. Mais que o gosto pessoal, tomo como fiel o que Ivete Lara Camargos Walty e Maria Zilda Ferreira Cury apontaram no prefácio a Drummond: poesia e experiência: “Falar de Drummond é uma tarefa complexa (…).
Tal complexidade se deve não apenas à extensão de sua produção ininterrupta durante sete décadas, mas também à abrangência do seu universo temático, (…) à riqueza e à variedade dos seus mecanismos de composição poética”.
Estou consciente dos senões que se poderiam opor à opinião de que Drummond é o maior poeta público do Brasil, da irregularidade de sua produção, e, claro, de que “o projeto mitificante de erigir um altar e nele fazer figurar, isolado e inatingível, o poeta Drummond, transformando-o em ‘poeta nacional’ (…) não passa de uma leitura ideológica interessada” – mas não se pode negar que a poesia drummondiana concretiza a natureza da literatura, de que fala Roland Barthes.
Entretanto, esta abertura não servirá apenas para dar mostras conspícuas de minha admiração pela produção literária de Carlos Drummond de Andrade.
Drummond, Do Corpo Ao Corpus enxerga, na esteira do que pensa Letícia Malard, inclusive o episódico como parte do que tenho chamado de projeto poético-pensante; se o episódico toma parte no projeto poético-pensante de Drummond, não o faz para invalidar a afirmação do crítico de que “nem tudo o que escreveu Drummond é bom”; ao contrário, o faz na tentativa de assegurar uma adesão “crítica e seletiva”, que permita compreender o todo da produção drummondiana em seus próprios termos, em sua organicidade.
O fato de a produção poética em pauta implicar sempre uma crítica aos poderes constituídos e às ideias fixas, no dizer de Luiz Costa Lima, dá a ver um processo de corrosão que desgasta seres e coisas.
Assim é que se pode afirmar: consoante ao diagnóstico dos padres jesuítas à época de sua expulsão do internato católico, ainda na adolescência, o signo a ser retido da trajetória poético-existencial de Carlos Drummond de Andrade é o da “insubordinação mental” – e isso tem que ver com permitir-se uma trajetória acidentada, variada, imprevisível.