Literatura Em Fogo

Toda manifestação artística expressa necessariamente um desconforto. A Literatura, enquanto arte que lida com as palavras e que teria por função promover a comunicação e aumentar a possibilidade de compreensão do ser humano em relação a si mesmo e em relação ao mundo em que ele vive

, fala a partir de um lugar de incômodo que preme o escritor à escrita. Compreender como se dá a produção literária de um determinado escritor é fundamental para podermos compreender também o lugar que a sua obra ocupa no mundo literário.
No caso do nosso poeta, no sentido de Dichter - termo utilizado pelo próprio Canetti em seu discurso de 1976, “A Consciência das Palavras”, em detrimento do termo mais amplo, e por isso mesmo mais impreciso, Schriftsteller - encontramos tal incômodo já em suas origens, que se constituíram desde sempre a partir do sentido de exílio concernente primariamente à questão da diáspora judaica, que traz consigo não só o problema geográfico, como também os problemas correlatos da língua e da cultura. É preciso ressaltar o fato de que o povo judeu sempre se manteve unido em torno a sua cultura religiosa, o que só pôde ser possível porque a manutenção e disseminação dessa se deu por meio do cultivo da língua hebraica em sua forma escrita que, caracteristicamente, se compõe apenas de consoantes.
Encontramos a confirmação desta assertiva na seguinte citação: Se nesse meio tempo os judeus tivessem assumido para o seu hebraico a escrita com vogais dos gregos, isso teria levado à ruína da tradição e da nação. Mas assim os judeus puderam se entender em hebraico, mesmo nas regiões mais afastadas do exílio. Em todo o caso em hebraico escrito. O entendimento oral entre judeus asquenazitas e sefarditas provavelmente ficou difícil já na Baixa Idade Média: para Senhor, por exemplo, os judeus orientais hoje dizem ‘óden’ ou ‘úden’, os últimos ‘adón’. A compreensão escrita, no entanto, não oferecia nenhuma dificuldade – enquanto a escrita silábica semita foi conservada.
Paralelamente encontramos a questão da aculturação e da assimilação, que se constituíram em pontos capitais para a adaptação dos judeus aos seus lugares de instalação, que em muitos casos se mostraram apenas provisórios, pois as perseguições, de fato, nunca tiveram fim.
Mas, no caso específico de Elias Canetti, tal desconforto comparece também em seu destino, uma vez que se colocou como um estrangeiro não só em relação aos países em que morou, mas, principalmente, em relação ao fato de escrever em uma língua que elegeu como sua e que se constituiu no terreno fértil em que a sua vida e a sua literatura se desenvolveram.

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Toda manifestação artística expressa necessariamente um desconforto. A Literatura, enquanto arte que lida com as palavras e que teria por função promover a comunicação e aumentar a possibilidade de compreensão do ser humano em relação a si mesmo e em relação ao mundo em que ele vive, fala a partir de um lugar de incômodo que preme o escritor à escrita. Compreender como se dá a produção literária de um determinado escritor é fundamental para podermos compreender também o lugar que a sua obra ocupa no mundo literário.
No caso do nosso poeta, no sentido de Dichter – termo utilizado pelo próprio Canetti em seu discurso de 1976, “A Consciência das Palavras”, em detrimento do termo mais amplo, e por isso mesmo mais impreciso, Schriftsteller – encontramos tal incômodo já em suas origens, que se constituíram desde sempre a partir do sentido de exílio concernente primariamente à questão da diáspora judaica, que traz consigo não só o problema geográfico, como também os problemas correlatos da língua e da cultura. É preciso ressaltar o fato de que o povo judeu sempre se manteve unido em torno a sua cultura religiosa, o que só pôde ser possível porque a manutenção e disseminação dessa se deu por meio do cultivo da língua hebraica em sua forma escrita que, caracteristicamente, se compõe apenas de consoantes.
Encontramos a confirmação desta assertiva na seguinte citação: Se nesse meio tempo os judeus tivessem assumido para o seu hebraico a escrita com vogais dos gregos, isso teria levado à ruína da tradição e da nação. Mas assim os judeus puderam se entender em hebraico, mesmo nas regiões mais afastadas do exílio. Em todo o caso em hebraico escrito. O entendimento oral entre judeus asquenazitas e sefarditas provavelmente ficou difícil já na Baixa Idade Média: para Senhor, por exemplo, os judeus orientais hoje dizem ‘óden’ ou ‘úden’, os últimos ‘adón’. A compreensão escrita, no entanto, não oferecia nenhuma dificuldade – enquanto a escrita silábica semita foi conservada.
Paralelamente encontramos a questão da aculturação e da assimilação, que se constituíram em pontos capitais para a adaptação dos judeus aos seus lugares de instalação, que em muitos casos se mostraram apenas provisórios, pois as perseguições, de fato, nunca tiveram fim.
Mas, no caso específico de Elias Canetti, tal desconforto comparece também em seu destino, uma vez que se colocou como um estrangeiro não só em relação aos países em que morou, mas, principalmente, em relação ao fato de escrever em uma língua que elegeu como sua e que se constituiu no terreno fértil em que a sua vida e a sua literatura se desenvolveram.

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