Samba-Enredo

Quando Samba-enredo foi lançado, em 1994, microcomputadores e laptops ainda eram utensílios domésticos relativamente raros. E a internet, incipiente no Brasil, apenas esboçava, mesmo nos países tecnologicamente mais avançados

, as poderosas ferramentas de comunicação e pesquisa que hoje parecem tão integradas ao nosso cotidiano quanto a luz elétrica.
O fato de o narrador deste romance de João Almino ser um computador, portanto, sugeria que o ponto de vista inusitado era a grande ousadia do livro — o que não deixa de ser verdade, mas está longe de esgotar outros aspectos pioneiros de Samba-enredo. Um breve resumo do romance é fundamental para explicitar seus vários elementos de inovação, que são também produto de uma imaginação que costura gêneros e transgride consensos de verossimilhança.
Em Brasília, durante o carnaval, Paulo Antônio Fernandes — primeiro presidente negro do Brasil — desaparece, e o computador que pertenceu a sua amante, Ana Kaufman (mulher de um ministro demissionário), se põe a alinhavar as notas que ela deixou dispersas nos arquivos digitais. Tais anotações deveriam compor um romance autobiográfico, projeto que a autora não apenas abortou, mas procurou deletar da história, formatando o disco rígido de seu laptop. A máquina narradora de Samba-enredo, porém, se insurge contra essa queima de arquivo e, no centenário de nascimento de Paulo Antônio, restaura seus conteúdos, tentando dar forma linear aos fragmentos deixado por Ana. Para isso, conta com a ajuda do fantasma de Sílvia, filha do presidente desaparecido, que morrera após os episódios descritos no romance — do qual é uma espécie de coautora.
Esse plot inicial encontra correspondências com o filme 2001: Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick (em que um ultracomputador desenvolve volição própria) ou com o romance O presidente negro, de Monteiro Lobato (em que um afro-americano chega à Casa Branca em meio a conflagrações raciais nos Estados Unidos de 2228), e sugere que Samba-enredo flerta com a ficção científica e a fantasia, dois gêneros de feição futurista (lembremos que o roteiro do filme de Kubrick tem participação de Arthur C. Clarke, um mestre da FC). Assim sendo, o romance do escritor e diplomata brasileiro poderia estar sujeito à caducidade que atinge obras calcadas no impacto de inovações tecnológicas: afinal, tão logo surgem novos artefatos, aquilo que parecia revolucionário soa um tanto anacrônico.
Sensível a essa possibilidade, João Almino introduziu sutis atualizações na reedição de Samba-enredo. Logo no primeiro capítulo, por exemplo, o laptop-narrador diz ao fantasma da filha do presidente que pretende ser fiel à “verdade histórica”, baseando-se “em minhas memórias e no que descubro através de minha rede”.

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Quando Samba-enredo foi lançado, em 1994, microcomputadores e laptops ainda eram utensílios domésticos relativamente raros. E a internet, incipiente no Brasil, apenas esboçava, mesmo nos países tecnologicamente mais avançados, as poderosas ferramentas de comunicação e pesquisa que hoje parecem tão integradas ao nosso cotidiano quanto a luz elétrica.
O fato de o narrador deste romance de João Almino ser um computador, portanto, sugeria que o ponto de vista inusitado era a grande ousadia do livro — o que não deixa de ser verdade, mas está longe de esgotar outros aspectos pioneiros de Samba-enredo. Um breve resumo do romance é fundamental para explicitar seus vários elementos de inovação, que são também produto de uma imaginação que costura gêneros e transgride consensos de verossimilhança.
Em Brasília, durante o carnaval, Paulo Antônio Fernandes — primeiro presidente negro do Brasil — desaparece, e o computador que pertenceu a sua amante, Ana Kaufman (mulher de um ministro demissionário), se põe a alinhavar as notas que ela deixou dispersas nos arquivos digitais. Tais anotações deveriam compor um romance autobiográfico, projeto que a autora não apenas abortou, mas procurou deletar da história, formatando o disco rígido de seu laptop. A máquina narradora de Samba-enredo, porém, se insurge contra essa queima de arquivo e, no centenário de nascimento de Paulo Antônio, restaura seus conteúdos, tentando dar forma linear aos fragmentos deixado por Ana. Para isso, conta com a ajuda do fantasma de Sílvia, filha do presidente desaparecido, que morrera após os episódios descritos no romance — do qual é uma espécie de coautora.
Esse plot inicial encontra correspondências com o filme 2001: Uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick (em que um ultracomputador desenvolve volição própria) ou com o romance O presidente negro, de Monteiro Lobato (em que um afro-americano chega à Casa Branca em meio a conflagrações raciais nos Estados Unidos de 2228), e sugere que Samba-enredo flerta com a ficção científica e a fantasia, dois gêneros de feição futurista (lembremos que o roteiro do filme de Kubrick tem participação de Arthur C. Clarke, um mestre da FC). Assim sendo, o romance do escritor e diplomata brasileiro poderia estar sujeito à caducidade que atinge obras calcadas no impacto de inovações tecnológicas: afinal, tão logo surgem novos artefatos, aquilo que parecia revolucionário soa um tanto anacrônico.
Sensível a essa possibilidade, João Almino introduziu sutis atualizações na reedição de Samba-enredo. Logo no primeiro capítulo, por exemplo, o laptop-narrador diz ao fantasma da filha do presidente que pretende ser fiel à “verdade histórica”, baseando-se “em minhas memórias e no que descubro através de minha rede”.

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