
No mais pessoal dos livros de Genet o submundo transcende as dimensões da transgressão do erotismo e da escatologia para atingir o patamar do misticismo e da mais elevada poesia.
Com uma linguagem essencialmente poética o autor descreve o mundo dos assassinos das prostitutas dos homossexuais dos travestis e dos marginais de toda ordem e os eleva à categoria de heróis.
Diário De Um Ladrão é a obra mais célebre de Jean Genet. Inspirou a Jean-Paul Sartre o texto que se segue:
“Não é Narciso que governa. Enquanto inclinam-se sobre a água, veem apenas uma vaga aparência de homem. Genet se vê por toda parte; as superfícies mais foscas retornam-lhe sua imagem; mesmo com outros, se distingue e, ao mesmo tempo, revela seu mais profundo segredo.
O tema inquietante do duplo, da imagem, do sósia, do irmão inimigo, é encontrado em todas as suas obras. Cada uma delas tem esta estranha propriedade de ser e refletir a si mesma.
Genet faz surgir uma multidão fervilhante e volumosa que nos intriga, nos transporta e se modifica em Genet sob o olhar de Genet.
Em Diário De Um Ladrão, o mito do duplo tomou sua forma mais tranquilizadora, mais comum, mais natural: Genet fala de Genet sem intermediário; ele narra sua vida, miséria e glória, seus amores; faz história de seus pensamentos, podemos crer que ele tem, como Montaigne, o projeto ingênuo e simples de se representar.
Mas Genet nunca é simples, mesmo consigo próprio. Certamente, ele diz tudo. Toda a verdade, nada mais que a verdade: mas é a verdade sagrada. Sua autobiografia não é uma autobiografia, ela não é mais que uma aparência: uma cosmogonia sagrada.
Suas histórias não são histórias: elas o apaixonam e fascinam, mas você crê que ele expõe fatos e, subitamente, percebe que ele descreve ritos; que se ele fala de mendigos ulcerosos do ‘Barrio Chino’ é para movimentar suntuosamente as questões de precedência e de etiqueta: ele é o Saint-Simon deste Tribunal dos Milagres.
Suas lembranças não são lembranças: elas são exatas, mas consagradas; ele fala de sua vida como um evangelista, em testemunho maravilhado… Se, no entanto, você souber ver, na articulação, a fina linha que separa o mito envolvente do mito envolvido, descobrirá a verdade, que é terrível.”











