
Em Um Dia Para Cada Abril Ou A Função Sócio-Política Do Afeto, o lirismo lúdico-musical de Ítalo de Melo Ramalho nos convida a uma dança poética entre o lamento e o louvor… Explico-me: movido por uma vontade dionisiacamente ávida de viver, ainda que sob o manto sombrio da apocalíptica pandemia do Covid-19, o eu-lírico-cronista desses 60 poemas, “versificanções” ou “verborações”, nos conduz em uma tragicômica dança de palavras em que ora se denuncia o oportunismo de uma “necropolítica” vampira, ora se exaltam a liberdade, o prazer e a arte, num equilíbrio tênue e tenso entre a fome de “escalar (novos) horizontes” e o “amor condicional” de um mundo dilacerado por “abismos: estruturais”…
Entre um passo e outro, o eu-lírico nos ensina tratar-se de uma “questão de equilibrachão”… Assim, a dança do leitor (sua leitura dos poemas) começa já no próprio título. Neste, a frase “Um di-a pa-ra ca-da a-bril”, através da alternância entre as consoantes p/r/k/d/b/r, à semelhança da cabalística “abracadabra”, transporta o leitor para os instantâneos de encantamento poético – os poemas.
Na dança através deles, a escuridão temática, presente entre nós sob a forma de um “cinema ficcional”, que desfere, de instante a instante, uma avalanche de números aterradores, “…os números/ serão servidos/às 20h30”, é transmutada pelo engenho e arte do poeta-cronista em gozo estético.
Organizado em duas partes, a primeira sob o mencionado título Um Dia Para Cada Abril – contendo 30 poemas –, e a segunda intitulada Ou A Função Sócio-Política Do Afeto – que, por sua vez, contém os outros 30 poemas, organizados através do símbolo da cerquilha (#), em referência ao uso das redes sociais como meio de integração, nesse momento de distanciamento inafetivo –, o livro nos conduz por uma dança que é também um diálogo “bailarino” com outros artistas do verbo (João Cabral de Melo Neto, Arnaldo Antunes, Miguel de Unamuno e também Walter Salles), citados em alusão.
