Ao longo das últimas décadas, o poder armado das chamadas “milícias” sobre territórios, populações e mercados vem se expandindo na cidade do Rio de Janeiro e região metropolitana. Tal expansão tem contribuído para alterar a configuração dos conflitos entre grupos armados territoriais no Rio de Janeiro, que se tornaram ainda mais complexos, caracterizando um quadro volátil, não completamente estabilizado.
Se, antes, a questão criminal carioca e fluminense estava centrada nas disputas territoriais entre “comandos” ou “facções” do tráfico de drogas e os confrontos armados entre esses grupos de traficantes e a polícia, hoje o fenômeno das milícias parece ter crescido em importância.
A fim de compreender os processos por meio dos quais as milícias ampliaram o seu poder, o presente estudo buscou formular instrumentos analíticos que permitissem conhecer melhor as bases políticas e econômicas desses grupos no município do Rio de Janeiro.
Tomamos como referência o período de 2007-2020 –, de notável fortalecimento das milícias e de alcance dos dados levantados –, e utilizamos informações disponíveis em três bases de dados distintas: o Mapa dos Grupos Armados no Rio de Janeiro, a base de operações policiais do GENI/UFF e a base da Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) referente aos licenciamentos e legalizações de edificações novas.
Esta pesquisa resulta da articulação entre diferentes grupos de pesquisa com a intenção de produzir conhecimento qualificado a respeito dos efeitos da regulação estatal de mercados legais e ilegais sobre o fenômeno de expansão das milícias, visando, assim, subsidiar o debate público acerca das políticas de segurança pública e planejamento urbano.
Para compreender as bases políticas e econômicas da expansão das milícias, a pesquisa baseou-se no mapeamento dos grupos criminais armados no Rio de Janeiro, elaborado com base em denúncias ao Disque-Denúncia, e utilizou, como variáveis chave, dados sobre (1) operações policiais e (2) atividade imobiliária.
Como será visto, os resultados desta pesquisa apontam que, em comparação com os outros grupos armados do Rio de Janeiro, as milícias estão presentes em territórios nos quais o enfrentamento armado com as forças estatais foi bastante reduzido e a atividade imobiliária foi mais intensa.
Os dados apresentados adiante sustentam a hipótese da pesquisa de que o direcionamento do uso da força pelo Estado e a regulação e fiscalização municipal do mercado imobiliário favoreceram o crescimento das milícias.