Em Defesa De Um Matemático

Era uma noite perfeitamente comum no jantar solene do Christ’s, exceto pelo fato de que Hardy era um dos convidados. Acabava de voltar a Cambridge, como professor da cadeira Sadler, e eu ficara sabendo alguma coisa a seu respeito através de jovens matemáticos de Cambridge.

Estavam deliciados em tê-lo de volta: era um matemático de verdade, diziam, não era como os Diracs e Bohrs de quem os físicos estavam sempre falando: era o mais puro dos puros. Também era heterodoxo, excêntrico, radical, pronto a falar sobre qualquer coisa. Isso foi em 1931, e ainda não se usava a expressão, mas em tempos mais recentes diriam que, de um modo indefinível, ele tinha a qualidade do astro.
Assim, do meu lugar na mesa, a distância, continuei a estudá-lo. Ele tinha então uns cinquenta e poucos anos: o cabelo já estava grisalho, coroando uma pele tão profundamente queimada pelo sol que adquirira uma espécie de bronzeado índio. Tinha o rosto bonito - maçãs salientes, nariz fino, espiritual e austero, mas capaz de dissolver-se nas convulsões de um contentamento como que de menino. Tinha olhos de um castanho opaco, brilhantes como olhos de pássaro - um tipo de olho que não é incomum entre os que têm o dom do pensamento conceituai. Cambridge, naquela época, estava repleta de rostos incomuns e distintos - mas, mesmo assim, pensei naquela noite que Hardy se destacava.
Não lembro como estava vestido. Podia muito bem estar de casaco esporte e calças de lã cinza por baixo da beca. Como Einstein, vestia-se para agradar a si mesmo: embora, ao contrário de Einstein, variasse o vestuário informal com certo gosto por camisas caras de seda.
Quando estávamos sentados à mesa do combination-room após o jantar, tomando vinho, alguém disse que Hardy queria falar comigo sobre críquete. Eu fora eleito havia apenas um ano, mas o Christ’s College, na época, era uma escola pequena e mesmo os passatempos dos professores mais novos eram logo identificados. Levaram-me para sentar ao lado dele. Não fui apresentado. Conforme descobri depois, ele ficava constrangido e embaraçado em todos os atos formais e tinha pavor de apresentações. Apenas inclinou a cabeça como que em reconhecimento e, sem nenhum preâmbulo, começou:
“Dizem que você entende de críquete. É verdade?” Eu disse que sim, que entendia um pouco.

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Era uma noite perfeitamente comum no jantar solene do Christ’s, exceto pelo fato de que Hardy era um dos convidados. Acabava de voltar a Cambridge, como professor da cadeira Sadler, e eu ficara sabendo alguma coisa a seu respeito através de jovens matemáticos de Cambridge. Estavam deliciados em tê-lo de volta: era um matemático de verdade, diziam, não era como os Diracs e Bohrs de quem os físicos estavam sempre falando: era o mais puro dos puros. Também era heterodoxo, excêntrico, radical, pronto a falar sobre qualquer coisa. Isso foi em 1931, e ainda não se usava a expressão, mas em tempos mais recentes diriam que, de um modo indefinível, ele tinha a qualidade do astro.
Assim, do meu lugar na mesa, a distância, continuei a estudá-lo. Ele tinha então uns cinquenta e poucos anos: o cabelo já estava grisalho, coroando uma pele tão profundamente queimada pelo sol que adquirira uma espécie de bronzeado índio. Tinha o rosto bonito – maçãs salientes, nariz fino, espiritual e austero, mas capaz de dissolver-se nas convulsões de um contentamento como que de menino. Tinha olhos de um castanho opaco, brilhantes como olhos de pássaro – um tipo de olho que não é incomum entre os que têm o dom do pensamento conceituai. Cambridge, naquela época, estava repleta de rostos incomuns e distintos – mas, mesmo assim, pensei naquela noite que Hardy se destacava.
Não lembro como estava vestido. Podia muito bem estar de casaco esporte e calças de lã cinza por baixo da beca. Como Einstein, vestia-se para agradar a si mesmo: embora, ao contrário de Einstein, variasse o vestuário informal com certo gosto por camisas caras de seda.
Quando estávamos sentados à mesa do combination-room após o jantar, tomando vinho, alguém disse que Hardy queria falar comigo sobre críquete. Eu fora eleito havia apenas um ano, mas o Christ’s College, na época, era uma escola pequena e mesmo os passatempos dos professores mais novos eram logo identificados. Levaram-me para sentar ao lado dele. Não fui apresentado. Conforme descobri depois, ele ficava constrangido e embaraçado em todos os atos formais e tinha pavor de apresentações. Apenas inclinou a cabeça como que em reconhecimento e, sem nenhum preâmbulo, começou:
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