
O que aproxima filmes como Bom Trabalho, A Mulher Sem Cabeça, Mal Ddos Trópicos, Millennium Mambo e tantos outros, comumente associados ao rótulo de “cinema de fluxo”? Suas narrativas são marcadas pela sobrevalorização sensorial de forma múltipla e centrífuga, reinserindo o corpo no espaço e tempo microscópico do cotidiano. Nesses filmes, podemos constatar, desde o final da década de 1990, a emergência de um novo realismo, de caráter sensório, no panorama do cinema mundial contemporâneo.
Realismo Sensório No Cinema Contemporâneo investiga as principais características desse realismo, em especial o papel do corpo como mediador, em termos espaciais, temporais e sonoros, dessa experiência espectatorial tão peculiar. Para isso são analisados 24 filmes, realizados entre 1999 e 2009 por dez diretores: Apichatpong Weerasethakul, Claire Denis, Gus Van Sant, Hou Hsiao-Hsien, Jia Zhangke, Karim Aïnouz, Lucrecia Martel, Naomi Kawase, Pedro Costa e Tsai Ming-Liang.
A discussão aqui proposta inicia seu percurso com uma reflexão acerca das relações entre espaço, tempo e corpo na esfera cotidiana ocorridas no contexto da produção audiovisual contemporânea, de modo a conferir densidade teórica à proposta de uma estética cinematográfica do fluxo. Por isso o primeiro capítulo do livro é dedicado a desenvolver o conceito de “realismo sensório” e agregá-lo como instância central na conceituação dessa estética.
Os capítulos seguintes serão dedicados a categorias analíticas que ampliam a ideia do capítulo inicial (o espaço-tempo cotidiano e da intimidade, a relação entre corpo e paisagem, o plano-sequência e os usos do som), até concluirmos com uma reflexão sobre a dimensão política que atravessa as opções estéticas desse cinema.
Não se pretende, aqui, reduzir o cinema do realismo sensório a um receituário estilístico cristalizado e engessado (uma cartilha de cacoetes para se fazer um cinema contemporâneo ultracool e de reduzidíssimo prazo de validade), mas sim tentar levantar possíveis empreitadas que busquem uma reconfiguração, ainda que momentânea e de pequeno alcance, da linguagem audiovisual a serviço dessa nova forma de narrar que possibilita aproximar filmes de nacionalidades e propostas autorais tão distintas entre si.
Em lugar de pensá-la como um nascente gênero cinematográfico, é possível se apropriar da afirmação de Luiz Carlos de Oliveira Júnior, que considera tal proposição estética como um “comportamento do olhar”: ou seja, muito mais uma reflexão sobre certo estado das coisas na sua própria efemeridade cotidiana do que um gênero de características, plots narrativos e universos diegéticos possíveis já predefinido.
E esse comportamento do olhar pode ser uma tentativa, dentro do fazer cinematográfico contemporâneo, de se apreender sentidos num mundo em constante transformação e movimento, a partir da adoção de um ponto de vista narrativo que privilegie, para o espectador, um “estar com” e a possibilidade de se “sentir junto” às suas pulsações e modulações.











