A Poeira Do Passado

Nunca podemos recuperar totalmente o que foi esquecido. E talvez seja bom assim. O choque do resgate do passado seria tão destrutivo que, no exato momento, forçosamente deixaríamos
de compreender nossa saudade. Mas é por isso que a compreendemos, e tanto melhor, quanto mais profundamente jaz em nós o esquecido. [...] Talvez o que o faça tão carregado e prenhe não seja outra coisa que o vestígio de hábitos perdidos, nos quais já não nos poderíamos encontrar. Talvez seja a mistura com a poeira de nossas moradas demolidas o segredo que o faz sobreviver. Walter Benjamin


Seria injusto concluir que Benjamin sintetize, desse modo, a sua teoria da memória, embora esteja aí uma espécie de densidade concentrada do seu pensamento, em tom didático e enigmático, como era de seu gosto.
Certamente será melhor chamar a suposta síntese com um termo que lhe era especialmente significativo: “tempo saturado de agoras”. O trecho abre um dos capítulos de Infância em Berlim por volta de 1900 e prepara a narrativa de sua lembrança sobre um jogo infantil.
Trata-se de parte decisiva, sobretudo incisiva, das reflexões de Benjamin a respeito dos engates da cultura material com dispositivos da lembrança e do esquecimento — dimensões da experiência em constante estado de interação. Aí, estão em evidência a ponte e o abismo, a recordação de uma infância que não volta mais e o brinquedo lembrado com saudade.
E quem detona o processo não é somente o sujeito, mas também o objeto — o artefato material, em seu poder de evocação do passado e, mais especificamente, em sua promessa nunca realizada de suprir as carências do presente. O presente, afinal, faz-se em ausências nem sempre identificadas ou identificáveis. Eis, então, o tempo incompleto, que nunca deverá ser preenchido.
No tempo que salta e assalta, que corrói e liberta, não se trata de solicitar o enchimento, e muito menos o preenchimento. Assim, o tempo foge da linha e, assim, elimina a obrigação da sequência.
Benjamin compartilha com outros pensadores do século XX o desejo de abrir, na cronologia e nas suas margens, uma cairologia. Seu tempo era oblíquo e, por isso mesmo, podia ser afetado pelo “agora”, como se vê nas Teses sobre o conceito da história.

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Seria injusto concluir que Benjamin sintetize, desse modo, a sua teoria da memória, embora esteja aí uma espécie de densidade concentrada do seu pensamento, em tom didático e enigmático, como era de seu gosto.
Certamente será melhor chamar a suposta síntese com um termo que lhe era especialmente significativo: “tempo saturado de agoras”. O trecho abre um dos capítulos de Infância em Berlim por volta de 1900 e prepara a narrativa de sua lembrança sobre um jogo infantil.
Trata-se de parte decisiva, sobretudo incisiva, das reflexões de Benjamin a respeito dos engates da cultura material com dispositivos da lembrança e do esquecimento — dimensões da experiência em constante estado de interação. Aí, estão em evidência a ponte e o abismo, a recordação de uma infância que não volta mais e o brinquedo lembrado com saudade.
E quem detona o processo não é somente o sujeito, mas também o objeto — o artefato material, em seu poder de evocação do passado e, mais especificamente, em sua promessa nunca realizada de suprir as carências do presente. O presente, afinal, faz-se em ausências nem sempre identificadas ou identificáveis. Eis, então, o tempo incompleto, que nunca deverá ser preenchido.
No tempo que salta e assalta, que corrói e liberta, não se trata de solicitar o enchimento, e muito menos o preenchimento. Assim, o tempo foge da linha e, assim, elimina a obrigação da sequência.
Benjamin compartilha com outros pensadores do século XX o desejo de abrir, na cronologia e nas suas margens, uma cairologia. Seu tempo era oblíquo e, por isso mesmo, podia ser afetado pelo “agora”, como se vê nas Teses sobre o conceito da história.

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