
Vicente de Paula da Silva Martins é um pesquisador inquieto, arrojado, atento aos movimentos da linguagem em uso e profundo conhecedor da língua. Seus interesses vão da obra literária ao PIBID, da sala de aula aos estudos do estatuto da educação nas Constituições brasileiras, passando por culturemas, fraseologia, lexicografia etc.
E como Vicente trabalha? Em um livro recente, Covid 19: A Gramática Do Inimigo, por exemplo, o autor traça um panorama de reações sociais à pandemia da Covid-19 a partir do estudo, que um desavisado poderia considerar prosaico, de palavras e expressões.
Vicente mostra que o estudo de termos como “E daí?” ou da preposição “ante”, da perspectiva terminológica, lexicográfica e mesmo da classificação gramatical, de um ponto de vista culturológico, pode não apenas revelar a atitude de usuários da língua como demonstrar que um pesquisador pode ao mesmo tempo não ser “neutro” do ponto de vista ético e ser cientificamente rigoroso. Não é porque assume uma dada posição que deixa de ser cientista.
Neste dicionário de culturemas, Capitães Da Areia: Dicionário De Língua E Cultura, Vicente de Paula da Silva Martins se concentra na leitura da obra Capitães da Areia, de Jorge Amado, para demonstrar de que maneira é possível pôr em diálogo, de um ponto de vista linguoculturológico (objeto de outro trabalho seu) a memória, a história, a literatura e a narrativa, aproximando assim o discurso da história e o discurso literário.
O autor descreve minuciosamente os procedimentos metodológicos para essa leitura culturológica, que envolve rigorosas etapas de levantamento e organização do material, bem como um trabalho interpretativo em que são mobilizados saberes sobre o mundo presentes transfiguradamente na obra examinada, demonstrando o pesquisador, por vezes uma erudição e uma capacidade de exposição clara e didática que enriquece sobremaneira a leitura da obra.
Essa metodologia e os verbetes gerados me fizeram refletir que, assim como pessoas de outras regiões do Brasil fariam uma leitura mais expressiva da obra de Jorge Amado estudada, um tradutor do português para alguma língua estrangeira teria em um dicionário como esse um rico repositório a que recorrer para descobrir soluções tradutórias. Porque este Dicionário não é um mero registro de culturemas, e sim uma detalhada exploração das possibilidades expressivas dos culturemas contidos na obra.
Como se sabe, os tradutores traduzem discursos e, assim, quanto mais souberem acerca dos usos discursivos de palavras e expressões, tanto mais serão capazes de decidir que palavras usar para traduzir sentidos de uma língua em outra língua nos discursos de que se ocupam.
