Goya não é somente um dos principais pintores de sua época: é também um dos pensadores mais profundos daquele período, não menos que seu contemporâneo Goethe, por exemplo, ou que um Dostoiévski, cinquenta anos mais tarde. Isso era uma evidência para seus primeiros biógrafos, em meados do século XIX, embora a interpretação que eles davam ao seu pensamento fosse superficial. “Ele misturava ideias com suas cores”, escreve Laurent Matheron em 1858; Charles Yriarte, em 1867, tem a mesma opinião: “Por trás do pintor, há o grande pensador cuja trilha foi fecunda. […] O desenho se faz idioma e serve para formular o pensamento”. Quanto às suas gravuras, estas possuem, diz Yriarte, “todo o alcance da mais alta filosofia”. No século seguinte, contudo, justamente enquanto se reafirmava a glória de Goya pintor, criou-se o hábito de encarar com certa condescendência a contribuição filosófica desse autodidata, de quem Ortega y Gasset descrevia a “mentalidade pouco diferente daquela de um operário manual” e de cujas cartas dizia serem as “de um ebanista”.
Goya deixou um desenho com a legenda Pobre e nua vai a filosofia, que provém de um poema de Petrarca. Nele vê-se uma jovem, sem dúvida uma camponesa, cuja condição modesta é indicada pelas roupas. Na verdade, ela não está nua, mas apenas desprovida de qualquer espécie de calçado! Traz um livro aberto na mão direita e outro, fechado, na esquerda. Seu rosto é juvenil, um pouco ingênuo, e ela ergue olhos indagadores para o céu. A filosofia poderia então encarnar-se em pessoas simples, descalças, que ignoram tudo das carreiras universitárias?
Por algumas rupturas decisivas com a tradição, Goya anuncia o advento da arte moderna. Claro, trata-se aqui de uma avaliação retrospectiva, para não dizer anacrônica. Goya não exerceu uma influência imediata sobre a trajetória da pintura na Espanha, e muito menos sobre os pintores dos outros países europeus: ele só começa a ser conhecido fora da Espanha a partir de meados do século XIX, décadas após sua morte. Não foi o líder tonitruante de um movimento internacional de vanguarda, à maneira de Marinetti para o futurismo, ou de Breton para o surrealismo.
Goya À Sombra Das Luzes
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