Hoje, quando a análise do materialismo histórico retrocede, sendo, de certo modo, praticada clandestinamente e raramente designada pelo seu nome, e quando assistimos a um prolongamento da dimensão teológica sob a forma do movimento messiânico da “pós-secularização” da desconstrução, é tempo de inverter a primeira tese de Walter Benjamín sobre a filosofia da historia: A marioneta chamada “teologia” sai sempre vencedora.
Pode confrontar-se, audaciosamente, com qualquer adversário, desde que ponha ao seu serviço o materialismo histórico, que, como sabemos, está hoje mirrado e é, de qualquer modo, instado a manter-se longe da nossa vista.
Uma possível definição da modernidade é a seguinte: a religião, que já não está completamente integrada na ordem social nem identificada a uma forma particular de vida cultural, adquire uma certa autonomia que lhe permite sobreviver enquanto religião idêntica em culturas diferentes. Este estatuto permite-lhe globalizar-se: hoje há cristãos, muçulmanos e budistas em todos os países do mundo. Porém, esta globalização tem um preço: a religião vê-se assim reduzida a um mero epifenômeno secundário em relação ao funcionamento profano da totalidade social.
No quadro desta nova ordem mundial, há dois papéis possíveis para ela: terapêutico ou crítico — ou ajuda os indivíduos a funcionarem cada vez melhor na ordem existente, ou procura afirmar-se como uma instância crítica e dizer o que está errado nessa ordem como tal, ou seja, enquanto espaço aberto às vozes contestatárias — neste último caso, a religião tende a assumir, como tal, o papel de uma heresia.
Nos nossos tempos do “politicamente correto”, é sempre de bom-tom começar com o conjunto de interditos não escritos que definem as posições que alguém está autorizado a defender.
O primeiro fato a registrar quanto às questões religiosas é o da referência à “espiritualidade profunda” estar de novo na berra: o materialismo puro e duro está fora de moda, e somos convidados a mostrar-nos abertos a uma Alteridade radical, para lá do Deus ontoteológico. Consequentemente, quando questionamos hoje um intelectual, perguntando-lhe muito diretamente: “Deixemo-nos de rodeios, vamos aos fatos básicos: acredita ou não nalguma forma de divino?”, ele começará por reagir com um recuo embaraçado, como se a pergunta fosse demasiado pessoal, demasiado indiscreta.
A Marioneta E O Anão: O Cristianismo Entre A Perversão E A Subversão
- Ciências Sociais, Religião
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