Devo algumas explicações ao leitor. Primeiro, quanto ao título deste livro. Se o termo cangaceiro é usado comumente nos sertões para designar os participantes dos bandos de insubmissos que pegam em armas para viver de assaltos, e os próprios componentes desses bandos se identificam como cangaceiros, o mesmo já não ocorre com o termo fanático.
Este veio de fora, dos meios cultos para o sertão, designando os pobres insubmissos que acompanhavam os conselheiros, monges ou beatos surgidos no interior, como imitações dos sacerdotes católicos ou missionários do passado. É um termo impróprio, inadequado, sobre ser pejorativo.
Tem-se exagerado indevidamente — e esta é uma das teses deste livro — o fundo místico dos movimentos das massas sertanejas como foram Canudos, Juazeiro, o Contestado e um sem-número de episódios semelhantes, mais restritos, que eclodiram em diferentes pontos do Brasil.
Não negamos a existência do fenômeno, uma espécie de misticismo, de messianismo não-cristão, embora formalmente influenciado pelo cristianismo. O que discutimos é a sua essência, a eclosão e e motivação das lutas no falso pressuposto de que elas têm no misticismo ou messianismo sua origem e seu fim.
Acreditamos, ao contrário, que os fenômenos de misticismo ou messianismo, que se convencionou chamar de fanatismo, disseminados pelos sertões em nosso passado ainda recente, têm um fundo perfeitamente material e servem apenas de cobertura a esse fundo. É a sua exteriorização.
Em populações submetidas à mais ignominiosa exploração e mergulhadas no mais completo atraso, sob todos os aspectos, a razão estava obscurecida e transbordavam os sentimentos em estado de superexcitação. A própria Natureza inclemente, e contra a qual não tinham meios para lutar, favorecia essa exacerbação de sentimentos.
E, como dizia Feuerback, o sentimento é o órgão essencial da religião. Ao elaborarem variantes do cristianismo, as populações oprimidas do sertão separavam-se ideologicamente das classes e grupos que as dominavam, procurando suas próprias vias de libertação.
As classes dominantes, por sua vez, tentando justificar o seu esmagamento pelas armas — e o fizeram sempre — apresentavam-nos como fanáticos, isto é, insubmissos religiosos extremados e agressivos.
Cangaceiros E Fanáticos
- Ciências Sociais, História
- 135 Visualizações
- Nenhum Comentário
Link Quebrado?
Caso o link não esteja funcionando comente abaixo e tentaremos localizar um novo link para este livro.