Tenentes

Prezado leitor, esta história não se passa no passado remoto. Não há índios ou imperador. Nela, automóveis cruzam a avenida Paulista, jovens cariocas vão à praia paquerar e nos morros se batuca ao ritmo do samba.

Cinema e boate são programas típicos da noite e, segunda de manhã, só se fala em futebol. Há deputados, nem sempre honestos, que debatem com ardor no plenário da Câmara. E há uma crise política.
Mas prepare-se.
Porque, naquele tempo, crises políticas se resolviam de outro jeito. Nas próximas páginas, o Rio de Janeiro será bombardeado. São Paulo será bombardeada. Prédios, casas, fábricas, arrasados; estupros e execuções em bairros elegantes à luz do dia e centenas de corpos mortos terminarão espalhados pelas ruas. Um governador se verá sitiado por dias, trincheiras improvisadas à porta do palácio para resistir ao avanço inimigo. Metralhadoras, tanques de guerra. E aviões chegarão muito perto de explodir presidentes. Isto: presidentes. Dois presidentes da República distintos.
Nestas páginas não há uma vírgula de ficção.
Tudo aconteceu assim.
Naquele tempo, quando fazia sol e calor, o Hotel Central era um dos recantos favoritos de quem tinha boa vida. Prédio imponente. O mais alto da praia, na ponta da rua Paissandu, bairro do Flamengo. Cinco andares e um terraço luxuoso com cúpula, a vista do Pão de Açúcar, e brindes ao high life  quando caía a tarde. Era só atravessar as duas pistas para encontrar a amurada e, dali, descer os degraus de pedra para chegar à curta faixa de areia. Naqueles dias de sol, as moças jovens e bonitas se refrescavam na água exibindo braços e pernas, uns saiotes curtos acima do joelho que suas mães jamais teriam ousado vestir. Na geração anterior, mal havia quem fosse à praia. Tinha mudado. Tudo mudava. O que havia, havia mesmo, era um clima de que tudo é novo. Uma ideia de crescimento, de rumo ao futuro, um certo ar de que o Brasil estava a ponto de dar certo. Era assim que se sentiam todos. Mas não naquele dia. Naquele dia, quando o menino se colocou perante a escadinha que descia à praia, olhos fixos na violência das ondas, o céu estava cinza-chumbo e a natureza parecia querer pôr abaixo a capital que se reinventava.

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Prezado leitor, esta história não se passa no passado remoto. Não há índios ou imperador. Nela, automóveis cruzam a avenida Paulista, jovens cariocas vão à praia paquerar e nos morros se batuca ao ritmo do samba. Cinema e boate são programas típicos da noite e, segunda de manhã, só se fala em futebol. Há deputados, nem sempre honestos, que debatem com ardor no plenário da Câmara. E há uma crise política.
Mas prepare-se.
Porque, naquele tempo, crises políticas se resolviam de outro jeito. Nas próximas páginas, o Rio de Janeiro será bombardeado. São Paulo será bombardeada. Prédios, casas, fábricas, arrasados; estupros e execuções em bairros elegantes à luz do dia e centenas de corpos mortos terminarão espalhados pelas ruas. Um governador se verá sitiado por dias, trincheiras improvisadas à porta do palácio para resistir ao avanço inimigo. Metralhadoras, tanques de guerra. E aviões chegarão muito perto de explodir presidentes. Isto: presidentes. Dois presidentes da República distintos.
Nestas páginas não há uma vírgula de ficção.
Tudo aconteceu assim.
Naquele tempo, quando fazia sol e calor, o Hotel Central era um dos recantos favoritos de quem tinha boa vida. Prédio imponente. O mais alto da praia, na ponta da rua Paissandu, bairro do Flamengo. Cinco andares e um terraço luxuoso com cúpula, a vista do Pão de Açúcar, e brindes ao high life  quando caía a tarde. Era só atravessar as duas pistas para encontrar a amurada e, dali, descer os degraus de pedra para chegar à curta faixa de areia. Naqueles dias de sol, as moças jovens e bonitas se refrescavam na água exibindo braços e pernas, uns saiotes curtos acima do joelho que suas mães jamais teriam ousado vestir. Na geração anterior, mal havia quem fosse à praia. Tinha mudado. Tudo mudava. O que havia, havia mesmo, era um clima de que tudo é novo. Uma ideia de crescimento, de rumo ao futuro, um certo ar de que o Brasil estava a ponto de dar certo. Era assim que se sentiam todos. Mas não naquele dia. Naquele dia, quando o menino se colocou perante a escadinha que descia à praia, olhos fixos na violência das ondas, o céu estava cinza-chumbo e a natureza parecia querer pôr abaixo a capital que se reinventava.

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