
A Civilização Como Destino: Kant E As Formas Da Reflexão é uma obra que se inscreve nessa recente viragem hermenêutica operada nos estudos kantianos, já pelos tópicos que privilegia, alguns deles bem pouco comuns nas mais correntes exegeses da filosofia kantiana.
As suas reflexões, em vez de insistirem na costumeira estratégia das contraposições, demarcações e cisões, procuram antes mostrar as mediações e as passagens efetivas entre diferentes planos: entre o racional e o sensível, entre a densidade empírica da antropologia “pragmática” e a normatividade moral, entre o processo de civilização e socialização, de feição estética e política, e a moralização, entre o vasto conhecimento empírico do mundo e o conhecimento racional dos princípios, e até entre o sentimento e o conhecimento filosófico e científico.
E novos são também os pressupostos que a inspiram e os focos de iluminação que ela projeta sobre a obra do filósofo de Königsberg. Correspondendo, ainda nisso, a uma exigência por este mesmo formulada (Logik, AA 09:24), tais pressupostos são, porém, ditados mais por uma visão da filosofia concebida como “sabedoria mundana” (Weltweisheit), num sentido e intuito cósmico (in sensu cosmico), ocupada e preocupada com a “destinação do homem” (Bestimmung des Menschen), do que por uma filosofia concebida num sentido escolar (in scholastischen Bedeutung/ nach dem Schulbegriffe), como mera arte ou habilidade de análise ou de sistemática de conceitos.
Esses pressupostos são, usando ainda uma outra fecunda distinção proposta pelo filósofo crítico, de intencionalidade “estética”, mais do que “lógica” (Logik AA 09:38), e é assim que, entre outros, assomam a primeiro plano, como sendo tópicos bem característicos e semanticamente ricos da obra kantiana, o respetivo tom, a sua musicalidade, o seu ritmo, a sua peculiar linguagem, tudo o que nos remete para um aspeto frequentemente negligenciado na obra dos filósofos, embora tenha sido Kant porventura um dos primeiros pensadores a colocá-lo em pleno destaque, a saber: que em filosofia importa sobremaneira não só (e talvez mesmo não tanto) a coisa ou a causa, mas o tom (KrV A 315), não apenas o que se pensa ou se afirma sobre este ou aquele assunto ou problema, mas a qualidade e a atitude do pensamento com que tal se pensa, por conseguinte, o modo ou a “maneira de pensar”, ao ponto de propor a sua filosofia crítica e transcendental como constituindo, propriamente, uma “mudança da maneira de pensar” (Veränderung der
Denkart).











