A poesia de Mia Couto é gerida pela perplexidade. Ela realiza um recuo radical em direção ao passado, perseguindo aqueles momentos originais em que o ser humano se formou. Ao espanto corresponde uma imagem primordial: a da semente. “Agora,/ quero apenas/ o que havia antes de haver vida./ A semente”, o poeta anuncia. Ele não se interessa pelo fruto — que está pronto, acabado, e pode, assim, ser devorado. Ao contrário: sua poesia se ergue contra o consumo voraz do presente. Mia prefere se instalar naquele momento anterior ao fruto, no qual tudo o que temos é um conjunto indefinido, mas potente, de possibilidades. Seus versos acompanham a germinação de nossa história e de nossa identidade. Promovem, também, um desmascaramento do Eu, com seus enganos, suas empáfias e sua vaidade.
O tempo é, por isso, um de seus temas centrais. Talvez, até, o tema central. Atada à passagem do tempo, a poesia de Mia Couto se apresenta, antes de tudo, como um testemunho. Trata-se, porém, de um tempo interior, e não cronológico. Um tempo que, em vez de sincronizar e ordenar, desarruma e desarranja. Perseguidor das origens, o poeta lida com a febre que precede ao conhecimento. Que esboça as ilusões do Eu. Antes de a mente saber, o corpo já “sabe”. O corpo somatiza aquilo que, só mais tarde, o pensamento consegue capturar. E, ainda assim, só em parte. Só uma parte da existência cabe no poema. A maior parte esbarra no muro das palavras e permanece do lado de fora.
Os poemas de Mia Couto são, antes de tudo, reflexivos e filosóficos. Remetem, porém, não a uma filosofia de escola — com seus conceitos e métodos —, mas, bem mais, à ruminação luminosa que precede a idade verbal. Abordam o ser e a incompreensível dor de existir. Inspecionam as dificuldades de viver. Trata-se de uma poesia que, sem se pretender didática, entra em sincronia com as perguntas que nos fazemos desde o nascimento. A pergunta central, como nos velhos compêndios, mas também nas mentes mais jovens, é: quem sou eu?
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