Era um domingo, dia de Nossa Senhora da Glória. Ouviram-se palmas à porta. Estavam todos reunidos à mesa do café. Dinorah de Assis foi até a janela da sala. Quem seria, a essa hora? “É o doutor Euclides”, lançou o rapaz, caminhando depois na direção da porta que abria para o jardim.
Anos de disciplina e de treinamento militar deram a Dilermando elementos para agir. Ele também tinha sua honra a preservar. Seu erro? Apaixonar-se por uma mulher casada. Amar, como diria mais tarde, de um amor insensato. Mas haveria de se defender com uma espécie de sentimento superior, frente à dignidade da desgraça. Calmo, dirigiu-se ao próprio quarto para fardar-se, pois estava em mangas de camisa. Acreditava numa conversa fria e cirúrgica, de homem para homem. Assumiria seus erros e ofereceria uma solução digna ao marido traído. Pelo menos foi o que registrou anos mais tarde, em suas memórias.
No inquérito policial que se seguiu, Dinorah, seu irmão mais novo, afirmou que se lembrava de que doutor Euclides entrou com a mão no bolso. Uma vez na sala, puxou o revólver. Sempre chamando por Dilermando e anunciando que viera para “matar ou morrer”, avançou corredor adentro e deu um chute na porta do quarto onde se achava seu alvo. Disparou duas vezes para dentro do cômodo. Dinorah se jogou contra ele, tentando imobilizá-lo. Embolaram-se. Mais dois tiros. Depois, o jovem largou doutor Euclides e recuou na direção do seu quarto, em busca de uma arma. De costas para o agressor, Dinorah sentiu quando a bala entrou-lhe pelas costas e o sangue escorreu, quente, debaixo da camisa.
Quem foi Dilermando de Assis? Pouco se sabe sobre este homem que, muito jovem, teve que matar para não morrer. Que foi desfigurado por uma violenta campanha numa imprensa ávida por manchetes sanguinolentas. E que morreu um pouco, junto com Euclides. Ele pertencia a uma classe em que a força moral se associava à defesa da honra, a qualquer preço. A defesa da sua quase lhe custou a própria vida. Muito jovem, também morreu um pouco de amor. Apaixonou-se por dona Saninha, ou Ana da Cunha, esposa de Euclides e 16 anos mais velha que ele. A paixão o levou a viver repetidos dramas e a mergulhar numa noite sem fim.
Matar Para Não Morrer
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