
O temor das pestes e as imagens e expressões do castigo que afligiam a humanidade são pesquisadas pelo autor, que levanta a origem e o sentido do próprio castigo: pecado, culpa e redenção.
A propósito do objeto da medicina e da doença, a imagem da realeza e sua importância cultural ligam-se à produção de um discurso régio sobre a doença.
Os tempos da peste foram, por excelência, os da purificação espiritual, sobretudo para o discurso cristão. O castigo, em última análise, visava afirmar aos homens a brevidade da vida e quão pacífica poderia ser sob a face bondosa do Pai. Redimir, resgatar, salvar, ainda que a ferro e fogo, esta seria a razão maior do castigo.
Centralização em termos de epidemia, conforme diz o autor, poderia ser o título desta obra – considerados os limites de ação régia no período. Isso ressalta o choque entre “poderes”: a peste capaz de se disseminar pelo reino e pela realeza, por sua vez arrogando-se mantenedora da própria ordem do reino.
O discurso régio penetrou como elemento integrante de um processo de longo percurso, interferindo no campo da saúde pública nacional sob sua ingerência.
O autor afirma que “o tempo da doença é… o da proliferação de discursos sobre ela”. E o livro em questão investe bastante, embora não em caráter exclusivo, numa leitura textual formalizada, em especial com o fito de esclarecer:
1) como se constrói o discurso médico sobre a doença, num contexto cristão, mas sobre a base do saber hipocrático-galênico herdado da Antiguidade;
2) como, no Livro da virtuosa benfeituria, de lavra do infante Pedro, irmão do rei Duarte, da dinastia de Avis, emerge, com um grau de elaboração bastante superior, uma noção já presente anteriormente (1340) em texto legal do rei Afonso IV: o regimento do reino foi outorgado ao monarca português por Deus; a sacralidade de origem do poder régio, por conseguinte, reúne as diversas funções do rei numa representação sua como “figura aglutinadora dos interesses gerais do reino”.











