
Muitas vezes o regime de invisibilidade é de forma sutil; outras, de forma violenta. Tudo como o escopo de impedir a elucidação das formas sociais e das mazelas que lhe são evidentes. Nessa cumeada, qual é o horizonte de expectativa da constituição brasileira vigente?
No que aqui importa, releva que a Constituição de 1988 é referta em direitos sociais: impôs freios ao sistema do capital financeiro com normas de eficácia plena – que fora totalmente desregulamentado – e criou um sistema protetivo do trabalho e seguridade social ampla envolvendo previdência social, saúde e assistência momentânea até o debelar, por políticas públicas, da pobreza e das condições miseráveis em que vive, infeliz e tragicamente, parcela relevante de nacionais como nós num país de riquezas inestimáveis.
Como uma constituição dessa jaez é recepcionada num país em que o conceito de nação é restrito às oligarquias brancas com a exclusão, mediante permanente estado de exceção, dos povos que nos formam?
No plano político, o sistema é tão deficiente que impede, salvo raras exceções, a emergência de lideranças populares; o próprio termo populismo é usado de forma distorcida para lançar pecha em quem se arvora com coragem em defensor dos povos; os políticos e os intelectuais que entendem e colocam às claras e com veemência a questão colonial são objeto de campanhas intensas de estigmatização e tidos como caudilhos machistas
As utopias projetam um porvir generoso como crítica do presente, mas são edificantes na medida em que ignoram as determinações necessárias à efetividade da justiça; de acordo com a origem etimológica, utopia significa lugar inexistente. Henri Lefebvre quis salvar o conceito acrescentando o adjetivo ‘experimental’: referia-se a utopias experimentais como forma de indicar um sonho mais consistente e capaz de perpassar a realidade.
Pensamos que, nessa encruzilhada civilizatória em que estamos submergidos, é preciso, com Michel Foucault, falar em heteroutopias, isto é, de novos lugares emergentes que abalam e superam o sistema-mundo marcado pela colonialidade do poder. Heteroutopias consistem em novos espaços ordenados com base na forma-comunidade, voltados a soldar os mundos e criar, pela primeira vez, o humanismo universal, analógico e dialético.
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