Negritude Sem Etnicidade

No final da década de 1970, como muitos jovens italianos de minha geração, eu havia passado a “conhecer” as relações raciais e a sociedade brasileiras à distância.

A música, a literatura e o cinema do Brasil tinham sido incorporados em nossa visão panorâmica da América Latina, que víamos como uma versão ampliada e até “exagerada” da Europa meridional. Em nossa imaginação, as coisas boas eram melhores no Brasil e as ruins eram piores. As boas tinham a ver com o povo brasileiro — especialmente com a população negra e mestiça — e as ruins, com sua elite. Meu primeiro contato direto com o Brasil deu-se quase duas décadas depois, através de um ciclo de palestras sobre a cultura e a etnicidade juvenis na Europa, que fui convidado a fazer em várias universidades em 1990. O termo “etnicidade”, que já se tornara parte do jargão popular em torno dos migrantes e de sua acolhida na Europa, quase não era ouvido fora do mundo acadêmico. Em número surpreendentemente grande, de certo modo, os alunos acorreram a minhas palestras sobre a etnicidade na Holanda e na Grã-Bretanha. Foram mais atraídos, creio eu, pela relativa novidade do tema do que por minha exposição pouco marcante, em português precário, sobre a relevância crescente da etnicidade na “Europa moderna”. A falta de familiaridade com o termo “etnicidade” era tão pronunciada que, num programa de entrevistas ao vivo no canal da TV Educativa baiana, fui solicitado a explicar — em trinta segundos — o que ela era e “o que se podia fazer a seu respeito”.
Hoje em dia, no mundo inteiro e no Brasil, etnicidade tornou-se um termo conhecido. É parte integrante das reportagens jornalísticas sobre uma multiplicidade de temas, como a culinária exótica, as festas de regiões distantes e até a moda — a Folha de São Paulo, um jornal de primeira linha, publica com certa regularidade matérias sobre desfiles de “moda étnica”. A “etnicidade” tornou-se uma parte essencial da propaganda de produtos de beleza. O xampu para cabelo encarapinhado é hoje simplesmente chamado de xampu étnico. Ou seja, “étnico” passou a substituir termos como exótico, estranho, não branco ou, em linguagem simples, raro e diferente.

  

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No final da década de 1970, como muitos jovens italianos de minha geração, eu havia passado a “conhecer” as relações raciais e a sociedade brasileiras à distância. A música, a literatura e o cinema do Brasil tinham sido incorporados em nossa visão panorâmica da América Latina, que víamos como uma versão ampliada e até “exagerada” da Europa meridional. Em nossa imaginação, as coisas boas eram melhores no Brasil e as ruins eram piores. As boas tinham a ver com o povo brasileiro — especialmente com a população negra e mestiça — e as ruins, com sua elite. Meu primeiro contato direto com o Brasil deu-se quase duas décadas depois, através de um ciclo de palestras sobre a cultura e a etnicidade juvenis na Europa, que fui convidado a fazer em várias universidades em 1990. O termo “etnicidade”, que já se tornara parte do jargão popular em torno dos migrantes e de sua acolhida na Europa, quase não era ouvido fora do mundo acadêmico. Em número surpreendentemente grande, de certo modo, os alunos acorreram a minhas palestras sobre a etnicidade na Holanda e na Grã-Bretanha. Foram mais atraídos, creio eu, pela relativa novidade do tema do que por minha exposição pouco marcante, em português precário, sobre a relevância crescente da etnicidade na “Europa moderna”. A falta de familiaridade com o termo “etnicidade” era tão pronunciada que, num programa de entrevistas ao vivo no canal da TV Educativa baiana, fui solicitado a explicar — em trinta segundos — o que ela era e “o que se podia fazer a seu respeito”.
Hoje em dia, no mundo inteiro e no Brasil, etnicidade tornou-se um termo conhecido. É parte integrante das reportagens jornalísticas sobre uma multiplicidade de temas, como a culinária exótica, as festas de regiões distantes e até a moda — a Folha de São Paulo, um jornal de primeira linha, publica com certa regularidade matérias sobre desfiles de “moda étnica”. A “etnicidade” tornou-se uma parte essencial da propaganda de produtos de beleza. O xampu para cabelo encarapinhado é hoje simplesmente chamado de xampu étnico. Ou seja, “étnico” passou a substituir termos como exótico, estranho, não branco ou, em linguagem simples, raro e diferente.

  

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