
Ao eleger o conto como seu principal meio de experimentação literária, Liev Tolstói produziu uma extensa obra capaz de revolucionar as características que consagraram o gênero.
Em vez de meramente abordar a urbanização e a introdução das relações capitalistas que o regime tsarista trouxe como emblema dos novos tempos, o escritor voltou sua atenção para as raízes da sociedade russa, marcada pelo estilo de vida agrário que se situava no extremo oposto do processo de modernização das dinâmicas e dos costumes entre os séculos XIX e XX.
Contos Completos abrange todos os contos de Tolstói — com exceção dos relatos inacabados e dos textos de maior fôlego, que podem ser classificados como novelas —, apresentação do tradutor Rubens Figueiredo e um célebre posfácio de Tolstói publicado em 1859, “Quem deve aprender a escrever com quem, as crianças camponesas conosco, ou nós com as crianças camponesas?”.
Por toda a vida, Tolstói dedicou uma atenção incomum a populações, classes e grupos sociais em situação subalterna, oprimida, marginal, que se encontravam em diferentes formas de conflito com a ordem dominante.
Já aos 22 anos (1850), chegou a projetar um livro intitulado Contos de costumes ciganos, povo de presença marcante na Europa Oriental e na Rússia e que, embora perseguido e acossado, fazia questão de não se integrar à sociedade, mantendo seus padrões peculiares de vida comunitária.
O próprio título do projeto já denota o componente etnográfico presente na maneira como Tolstói focaliza seus temas e personagens. O pressuposto é que não existe fundamento objetivo para avaliar como inferiores as formas de vida daquelas populações.
Ao longo de décadas, os contos de Tolstói irão repetir o mesmo questionamento, de vários ângulos e com as mais diversas técnicas, com a consciência de que seus leitores, na maioria, por formação e por efeito da necessidade de defender sua posição de classe, tendiam justamente a se ver como superiores.
Assim, nos contos de Tolstói figuram com destaque ciganos, cossacos, vários povos do Cáucaso, sectários religiosos, camponeses (os mujiques), servos, criados, soldados, criminosos, presos, mulheres, velhos, crianças.
No entanto, além de estarem presentes como personagens, eles constituem a fonte de formatos narrativos estudados e explorados por Tolstói, a fim de levar mais fundo seu questionamento.
A preocupação contínua do escritor com as narrativas orais, de origens antigas, disseminadas entre populações ágrafas ou analfabetas, foi um componente decisivo em seu esforço para elaborar formas diferentes de narrar.
As fábulas, as vidas dos santos, as aventuras de heróis populares, as lendas, as parábolas, em lugar de serem vistas como formas elementares, atrasadas, superadas pelos padrões literários modernos, representam pontos de vista alternativos, de onde os vitoriosos se revelam menos consistentes em suas pretensões.
