A escrita assumiu aos poucos, na Antiguidade ocidental, um lugar destacado na circulação do saber e da arte. Há bastante tempo os estudiosos vêm se dedicando a essa forma de difusão, assinalando sua importância social e a forma sobretudo como era recebida à sua época.
A obra de Leni Ribeiro Leite, Professora de Língua e Literatura Latinas da Universidade Federal do Espírito Santo, lança, contudo, outro foco às questões que aquela escrita suscita.
Marcial E O Livro apresenta ao leitor o que um determinado poeta romano pensava e sentia acerca da maneira com a qual a sua poesia chegava às mãos de seu público. E mais do que isso: como esse poeta se apropria da imagem desse objeto livro para relacionar-se com seu leitor e com seu tempo.
Marcial E O Livro cativa o interesse do leitor tanto pelo que informa sobre o universo que cerca a propagação da escrita literária na Roma antiga quanto pelo que acrescenta ao conhecimento que normalmente se tem do poeta Marcial, um poeta do século I a.C., que se fez conhecido na história literária pela sua verve fescenina e sua dicção invectiva, destiladas em epigramas, um dos gêneros literários mais saborosos que a Antiguidade nos legou.
Este livro surpreende, revelando, com linguagem clara e precisa, que a poesia – aqui de Marcial – dialoga com o suporte de sua escrita, e, assim, o que pareceria secundário numa obra poética, toma corpo e vulto, e ficamos todos convencidos de que o livro, na poesia de Marcial, ganha contornos de personagem autônomo. Com o livro, esse objeto tátil, Marcial convive e dialoga.
Os formatos do suporte da escrita, codex, volumen ou as tabuinhas articulam-se, como mostra a autora, não somente com o conteúdo expresso, mas com a própria ideia de conteúdo literário.
Revela-se, então, um complexo jogo em que a tradicional e já tão questionada relação entre forma e conteúdo ganha mais esse elemento de interlocução: o suporte. O suporte que ouve, que fala, e pelo qual o poeta fala, mas fala com a voz muda, que precisa seduzir para ser ouvida com os olhos laboriosos e atentos. É esse também o exercício de Marcial e o livro: o da sedução de seus leitores.
O leitor desta obra poderá também aproximar-se da linguagem e das figuras de que se vale Marcial, graças às traduções, sempre muito exatas, de Leni Ribeiro Leite, sempre acompanhadas do texto na língua original.