
Em Viagem A Portugal, o pacto de Saramago com a língua se materializa com tanta clareza que chega a parecer um destino – é como se as coisas e as pessoas estivessem estado à espera de seu escritor.
Um milhão de viajantes viram os rios, as encostas e as florestas que Saramago viu. Entraram nos mesmos castelos e igrejas. Pediram informação àquele pastor, à fiandeira e ao velho da encruzilhada.
Todos deram pasto à vista e à imaginação. Nenhum deles, entretanto, teve como levar a viagem para casa, refazê-la por escrito e escolher que iria partilhá-la infinitamente.
Conhecemos, neste livro, que nome se dá às coisas em Portugal, qual é a comida que vai para a mesa, quem pintou o teto daquela capelinha, quando é que chove, de que cor são os olhinhos de Nossa Senhora da Cabeça, o que aconteceu com as flores das amendoeiras que o rei mouro mandou plantar para a sua princesa nórdica, quanto custa passar o tempo nas ruas de Serpa, até que ponto são rápidas as águas do Pulo do Lobo, de que modo se conserva a seriedade perante o são Sebastião sorridente e orelhudo de Cidadelhe, por que morreu Inês, a amante de Pedro, o Cruel, o Cru, o Filho-Inimigo, o Tartamudo, o Dançarino, o Vingativo, o Até-Ao-Fim-do-Mundo-Apaixonado.
“Eis o que este livro quis ser. Eis o que supõe ter conseguido um pouco. Tome o leitor as páginas seguintes como desafio e convite.
Viaje segundo um seu projecto próprio, dê mínimos ouvidos à facilidade dos itinerários cómodos e de rasto pisado, aceite enganar-se na estrada e voltar atrás, ou, pelo contrário, persevere até inventar saídas desacostumadas para o mundo.
Não terá melhor viagem. E, se lho pedir a sensibilidade, registe por sua vez o que viu e sentiu, o que disse e ouviu dizer. Enfim, tome este livro como exemplo, nunca como modelo.
A felicidade, fique o leitor sabendo, tem muitos rostos. Viajar é, provavelmente, um deles.
Entregue as suas flores a quem saiba cuidar delas, e comece. Ou recomece. Nenhuma viagem é definitiva.”
