
José J. Veiga – A Hora Dos Ruminantes
É neste A Hora Dos Ruminantes, um dos mais representativos da sua produção literária, que a estranheza do gênero cultivado por Veiga veio nos revelar uma singularidade inventiva que desde logo o destacou dos demais escritores do período.
E o destacou não porque o projetasse como novo representante do relato gótico, mágico ou fantástico em si mesmo, como foi então opinião corrente. Basta lembrar que a grande marca de A Hora Dos Ruminantes, em relação ao volume de estreia, está no traçado das personagens e na ambiguidade dos diálogos, já então em grande parte desligados da subjetividade emotiva que determinava nos Cavalinhos a incompletude dos desfechos e o modelo convencional das reações ao mágico e ao estranho puro.
Mas é bom lembrarmos que o próprio Veiga não gostava que o incluíssem entre os narradores fantásticos. Sempre que alguém o aproximava de um Murilo Rubião, de um García Márquez ou até mesmo de um Julio Cortázar, ele fazia questão de corrigir: “A minha literatura é uma literatura realista: nem fantástica, nem mágica”.
Quer dizer: original e estranha sem sair da singular estranheza da nossa própria realidade. Ou, como o definiu um crítico: um autor que nos faz lembrar o realismo mágico ou surrealista, criando “uma realidade bem brasileira, usando o nosso coloquial localista, como se estivesse escrevendo literatura regional”.
Em Veiga, a singularidade do mundo revelado vem do convívio entre a ordem primitiva e as feições de um estranho que, se de um lado aproxima os sintomas do medo a uma espécie de tragicomédia da sobrevivência, de outro banaliza o mistério ao fundi-lo às reações da gente simples das aldeias longínquas, em que os limites do cotidiano não vão além dos bate-papos do armazém, da lida doméstica com os animais e dos afazeres da roça, cuja única distração se resume ao tédio de olhar pela janela a modorra do tempo e o curso da vida que não passa.
