Contos para viajar… Um índio peruano atravessa lentamente, numa velha bicicleta, a imensa solidão do Sul de Angola. O que faz ali? Um diplomata angolano desaparece em Brasília como se nunca tivesse existido. Terá realmente existido? Na Ilha de Moçambique um estranho estrangeiro tenta esquecer quem foi para melhor ser esquecido. Conseguirá eludir o passado? São passageiros em trânsito (como todos nós), mas nenhum conhece realmente o seu destino. Vinte contos para viajar.
O passado é como o mar: nunca sossega. As casas encolhem, como os velhos, ao passo que as árvores crescem sem parar. Quando regressamos, decorridos muitos anos, aos lugares da nossa infância encontramos árvores gigantescas e sufocando de terror à sombra delas as casas minúsculas que um dia foram nossas. Mal reconhecemos a cama de bonecas em que dormimos quando éramos crianças, ou o quintal, que sempre julgámos ser imenso, e que tem, afinal, apenas dois palmos de fundo.
O meu pai dizia-me:
— A vida é uma corrida, meu filho. Quem olha para trás enquanto corre arrisca-se a tropeçar.
Eu não olho para trás. Avanço por vezes de olhos fechados, e tropeço, como os outros, e eventualmente caio, mas não olho para trás. Nunca fui pessoa de cultivar saudades. Não coleciono álbuns de fotografias, e jamais guardei pétalas secas entre as páginas de velhos livros. Sigo sempre em frente. Quando me perguntam para onde vou encolho os ombros. Rio-me:
— Adiante.
O mundo é infinito para quem viaja a pé. Eu viajo a pé, à boleia de algum camião, ou de bicicleta. Andando de camião, ou de bicicleta, o mundo parece um pouquinho menor, mas ainda assim, digo-lhe, meu bom amigo, é uma imensidão. Não tenho muitos estudos. Aprendi a ler e a contar, pouco mais. Raramente leio o que quer que seja.
Quando encontro algum jornal lanço uma vista de olhos à página da necrologia. Como não conheço ninguém, como ninguém espera por mim em parte alguma, choro pelos desconhecidos, aqueles que me parecem mais simpáticos, vou pelo semblante, entende?, isto se a fotografia do defunto estiver bem impressa, ou então pelo nome.