Ana De Amsterdam

Ana Cássia Rebelo trabalha das nove às cinco e meia da tarde, como jurista, em Lisboa, numa instituição pública. Às cinco e meia da tarde inicia o segundo turno — cuidar dos filhos —, que se prolonga até por volta das onze da noite

: dar banhos, ajudar com os deveres da escola, fazer o jantar. No dia seguinte, de manhã cedo, prepara-lhes o pequeno-almoço, leva-os à escola, regressa ao trabalho. Assim dia a dia, hora a hora, minuto a minuto. A Madalena, o João e o Joaquim são a sua prioridade, a eles se dedica sem restrições e a eles se sacrifica inteiramente, com infinita disponibilidade e amor. Os filhos são os pontos de apoio que lhe regem a existência, é maravilhoso que existam, sente-se feliz quando os tem a seu lado, nada lhe dá mais força; a profissão, por outro lado, garante-lhe a subsistência, permite-lhe aplicar o diploma de licenciada em Direito pela Universidade Católica e dá-lhe um sentido prático da realidade.
Por vezes, mais do que seria saudável, tudo isso resulta em insatisfação. Sente que a rotina dos dias iguais e os tédios do emprego formam uma circunferência em torno de si, que a cercam dentro de muralhas. Nessas alturas, apetece-lhe fugir, descarrilar, não possuir eira nem beira, conhecer outra gente, ter outro trabalho, converter-se noutra pessoa, sentir a vertigem das mudanças bruscas. Com os anos, caiu numa tristeza crônica, e o negro estado de espírito transformou-se numa característica permanente. Como se isso não fosse suficiente, matou-lhe o prazer sexual: a nudez masculina agitando-se convulsivamente por cima do seu corpo causa-lhe estranheza, sente-se invadida por uma sensação de desconforto face ao que está a acontecer e não consegue ter orgasmos. De noite não dorme, ou dorme mal e acorda de madrugada para comer compulsivamente e fumar cigarro atrás de cigarro. Perseguida pela depressão, prisioneira da frigidez, torturada pela insônia, pelo muito longo momento que é a insônia, o fundo da noite traz-lhe desassossego e infelicidade.

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Ana Cássia Rebelo trabalha das nove às cinco e meia da tarde, como jurista, em Lisboa, numa instituição pública. Às cinco e meia da tarde inicia o segundo turno — cuidar dos filhos —, que se prolonga até por volta das onze da noite: dar banhos, ajudar com os deveres da escola, fazer o jantar. No dia seguinte, de manhã cedo, prepara-lhes o pequeno-almoço, leva-os à escola, regressa ao trabalho. Assim dia a dia, hora a hora, minuto a minuto. A Madalena, o João e o Joaquim são a sua prioridade, a eles se dedica sem restrições e a eles se sacrifica inteiramente, com infinita disponibilidade e amor. Os filhos são os pontos de apoio que lhe regem a existência, é maravilhoso que existam, sente-se feliz quando os tem a seu lado, nada lhe dá mais força; a profissão, por outro lado, garante-lhe a subsistência, permite-lhe aplicar o diploma de licenciada em Direito pela Universidade Católica e dá-lhe um sentido prático da realidade.
Por vezes, mais do que seria saudável, tudo isso resulta em insatisfação. Sente que a rotina dos dias iguais e os tédios do emprego formam uma circunferência em torno de si, que a cercam dentro de muralhas. Nessas alturas, apetece-lhe fugir, descarrilar, não possuir eira nem beira, conhecer outra gente, ter outro trabalho, converter-se noutra pessoa, sentir a vertigem das mudanças bruscas. Com os anos, caiu numa tristeza crônica, e o negro estado de espírito transformou-se numa característica permanente. Como se isso não fosse suficiente, matou-lhe o prazer sexual: a nudez masculina agitando-se convulsivamente por cima do seu corpo causa-lhe estranheza, sente-se invadida por uma sensação de desconforto face ao que está a acontecer e não consegue ter orgasmos. De noite não dorme, ou dorme mal e acorda de madrugada para comer compulsivamente e fumar cigarro atrás de cigarro. Perseguida pela depressão, prisioneira da frigidez, torturada pela insônia, pelo muito longo momento que é a insônia, o fundo da noite traz-lhe desassossego e infelicidade.

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