Durante anos, navegamos pelo arquivo pessoal de Jorge Mautner, guardado por ele de maneira kaótica em sua casa: pinturas, livros prontos e muitas ideias espalhadas em cadernos, margens de jornal, pedaços de papel, cadernetas de telefone ou no verso de notas fiscais. Ali, encontramos temas recorrentes — amor, solidão, infância, angústia, Brasil, Bahia, política, ciência — e conexões poéticas, como uma rima que aparece em um caderno e, dez anos depois, em um guardanapo. Kaos externo e kaos interno simultâneos.
Selecionamos uma amostra desse acervo inédito, apresentado aqui junto à totalidade de suas letras de música, parte mais conhecida de sua obra. Lado a lado, o Jorge Mautner conhecido e o Jorge Mautner inédito proporcionam uma leitura nova deste gigante da literatura brasileira. Ao longo deste Kaos Total, sentimos um movimento entre rimas simples e ritmos extraordinários, imagens singelas e referências clássicas, entre o terror e a esperança. Lendo os textos em voz alta, descobrimos a música que por vezes se oculta entre as palavras.
As letras, que figuram aqui como poemas, ganham um brilho novo, diferente do familiar. Em meio a sua obra inédita, há o que chamamos de prosa poética: ficções, projetos políticos e reflexões filosóficas. Muitos são os poemas, de formas, tamanhos e temas diversos. Neles, Jorge transita entre questões do universo abstrato e material, sem diferenciação. Em todos os casos, vemos amor, humor, delicadeza, liberdade e rigor. Nas pinturas, nunca antes apresentadas em livro, está o mesmo artista que vê o mundo como simultaneidade de afetos e assuntos. Exibe ao mesmo tempo uma estética naïf, e um rigor quase militar na escolha, organização das cores e contornos precisos das figuras.
É com grande alegria que apresentamos esta obra, ainda desconhecida, de um artista que, aos 75 anos, pensávamos já conhecer. Sua obra é sua vida. O Kaos total, Jorge Mautner, nunca se encerra, está sempre vivo e em movimento.
Maria Borba e João Paulo Reys, organizadores