
A palavra influência nem sempre registra uma eficácia própria. Pode remeter a abusos de uma comparatividade apressada, ou significar apenas a viela estreitíssima do equívoco especulativo. Daí nosso justificado cuidado na abordagem de influências entre autores e obras.
O caso José de Anchieta, na literatura brasileira, é representativo dessa dificuldade, mesmo se o tomarmos no incidental e tropeçante cotejo com outros autores de igual sintonia com o mundo agônico da Idade Média.
O risco é pertinente, mas nem por isso deixará de ser corrido.
Anchieta é aqui estudado sob a ótica da intertextualidade, autor influenciado por um conjunto de leituras. Seu tratamento será o de um suposto leitor do teatro e da poesia de tradição peninsular no Quinhentismo ibérico.
Estudando Anchieta em suas bases lingüística, estilística e ideológica, observamos que ele se inscreve numa linha mais ou menos direta da sacralidade medieval.
De um lado, a leitura de estilos a partir da lírica sagrada típica do mundo hispânico ou peninsular (caso de D. Iñigo López de Mendoza — o marquês de Santillana — e de Jorge Manrique) e, de outro, a partir do teatro místico-profano de Gil Vicente, da motivação devocionária do teatro quinhentista espanhol e do agiografismo português de Baltasar Dias.
Tudo isso revestiria um corpus de intervenção e intertextualidade no teatro e na lírica anchietanos.
A poesia e o drama medievais têm fundo sagrado, moralizador, amoroso e aterrorizante. Sua retórica reivindica uma estética do medo instilado no espectador/leitor.
Sem qualquer indício dialético, esta estética aponta para uma inseparável base de elementos ascéticos e místicos, espécie de elitismo do sagrado, resultante do cadinho cultural e ideológico eclesiástico.
O cristão medieval é um ser flagrado na circunstância do medo e da culpa. E a obra de arte, posta à disposição de tal ideologia, só se manifestará, claro, pela intensificação e recepção de ideias e ideais que ampliem este universo.
