O debate sobre a questão agrária no Brasil durante a década de 70 pode ser visto, retrospectivamente, como uma tentativa de enfrentar a superação política e econômica, pós-golpe militar, do debate clássico “feudalismo x capitalismo” dos anos 50 e 60.
Politicamente, o golpe de 64 fechou as portas para a reforma agrária; economicamente, o “milagre brasileiro” pós-68 redefiniu a natureza do mercado interno, tomando redundante a própria reivindicação pela reforma agrária em sua conotação tradicional, independentemente da conjuntura política.
Os principais autores que estabeleceram os termos desse debate, em nome de um ataque ao esquema dualista da tese “feudal” e à sua imagem conservadora refletida na versão cepalina, substituíram este esquema por uma versão harmoniosa do mesmo dualismo.
O “atraso” do setor agrário antes considerado um freio ao crescimento industrial por induzir ao subconsumo, passou a ser encarado como precondição estrutural para a acumulação na indústria, aumentando a taxa de lucro pela redução nos custos do capital variável. Tratar-se-ia de uma variante, particular às economias não-coloniais e não-imperialistas, da “acumulação primitiva”, substituindo a clássica expropriação dos meios de produção do campesinato pela expropriação de sua produção.
Uma tal articulação, quer teorizada como um mecanismo de acumulação “estrutural e não apenas genética” nas condições do capitalismo dependente, quer teorizada como uma “transição cristalizada” específica do capitalismo autoritário, compartilha com a concepção tradicional uma visão dualista do próprio setor agrário.
A manutenção da agricultura camponesa de subsistência, além de alimentar a acumulação industrial, teria servido de forma idêntica ao setor agropecuário exportador, pela redução dos custos do trabalho rural. Este setor exportador, por fornecer as divisas para a importação de bens de capital, foi visto como o objeto exclusivo dos estímulos modernizadores da parte da política estatal.
De acordo com esta posição, o setor de subsistência permaneceu imune a estas medidas modernizadoras; além disso, devido a sua subordinação ao capital comercial, foi impedido de sofrer os efeitos de possíveis incentivos provenientes do mercado. Por outro lado, a questão do mercado interno tinha sido resolvida pela redefinição do setor de bens de consumo, a qual, por sua vez, gerou uma correspondente concentração do poder de compras estimulada pelas políticas creditícias estatais, tornando desta forma a questão da realização independente do mercado rural.
O Estado, A Agricultura E A Pequena Produção
- Agronomia, Ciências Sociais, Economia
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