Henry David Thoreau foi uma nuvem de calças.
Nascido em Concord, Massachusetts, na costa leste dos Estados Unidos, em julho de 1817, pairou acima e ao largo de seus compatriotas e contemporâneos. Lançou-se a tais altitudes – e em eventuais platitudes – disposto não apenas a ver o mundo de cima mas a experimentar um universo próprio e idiossincrático. Muitas vezes assomou-se leve, habilitado a flutuar em céu azul, como se parte da paisagem que tanto amou. Noutras, revelou-se capaz de projetar sombras, quando não raios e trovões, vertendo aguaceiros incômodos sobre sua vila e seu país. Tratou de despejá-los na forma de discurso torrencial: uma prosa caudalosa que – caso tivesse sido realmente lida – haveria de ter o efeito de uma enchente na planície onde labutavam “em calado desespero” os homens de sua região e sua época.
Thoreau foi único, solitário e inimitável.
Mas Henry David Thoreau foi também um chato de galochas – até porque de fato as calçava. Não era perfeito, e muito menos aperfeiçoável. Misantropo, misógino, radical e irredutível, parecia cultivar a inconveniência como virtude. Mais do que mero exercício de retórica, afrontar o senso comum sempre lhe pareceu emérita prática cotidiana. Thoreau manteve o dedo em riste – acusatório e descortês. E tratou de metê-lo nas feridas vivas de uma nação que ainda não havia forjado plenamente a própria identidade. Identidade que, embora por vias transversas, Thoreau ajudaria a construir. Thoreau foi desprezado e ofendido, mas isso não lhe doeu tanto quanto nas ocasiões – aliás, mais frequentes – em que pregou ao deserto.
Thoreau era um caminhante, mas nunca foi pedestre.
Para Thoreau estava tudo na cara. E Thoreau foi um cara de pau. Seu semblante despertou surpresa e susto naqueles que o contemplaram. Com feições como que talhadas a machado no cerne de madeira nobre e dura, Thoreau tinha, muito apropriadamente, a face de um fauno. O nariz adunco, os olhos miúdos, o cenho franzido, os lábios finos como navalha emolduravam as maçãs salientes de um rosto que fazia lembrar o de um totem indígena. Thoreau era uma esfinge – e, por não saberem decifrá-lo, alguns homens de seu tempo quiseram devorá-lo. Mas Thoreau era osso duro de roer.
