Em Saberes E Fazeres Terapêuticos Quilombolas tomamos como ponto de partida e compreensão a questão de saber como podemos conhecer a riqueza e diversidade de conhecimentos e práticas de cuidado em saúde que historicamente têm sido objeto de preconceitos e de políticas de sistemático combate por parte dos poderes instituídos, e, que ainda hoje, são fortemente marginalizados.
Mas como fazer isso sem contribuir para sua transformação em exoticidade, em saberes etnicamente situados que deveriam ser “preservados” em defesa da diversidade cultural contemporânea? Intenções desse tipo podem ser boas, contudo, devemos ir além das políticas que restringem outras experiências terapêuticas ao domínio da cultura e não dos corpos e do mundo – deveriam essas questões serem abordadas pela ciência!?
Precisamos, então, aceitar bons desafios como esses que nossos interlocutores das comunidades quilombolas da Bacia e Vale do Iguape, em Cachoeira, Bahia, nos proporcionaram, quando nos sugeriram a realização do estudo que constituí a base desta publicação. Desafio tanto mais arriscado por se tratar de demanda “deles”, oriunda de preocupações com o futuro das formas de cuidar, percebidas em suas vulnerabilidades, mas também da certeza que são modos de viver nos territórios que lhes pertencem e que, justamente por isso, precisam ser visibilizadas para que o registro seja um elemento de reconhecimento e contribua para sua continuidade.
Da ideia inicial de fazermos um levantamento das ervas – raízes, caules, folhas, flores e frutos – e outros elementos – substâncias animais, carvão, pedras, água, palavras, ciclos lunar e solar, ciclo da maré, dias da semana, horários, pontos cardeais etc. (medicinas amplamente utilizadas no cotidiano daquelas comunidades foi sendo percebida a necessidade de visibilizar não apenas esses conhecimentos, mas também as pessoas que os fazem circular) estes não são apenas terapeutas socialmente reconhecidos como tal, mas muitos outros que neste livro são reconhecidos como “praticantes terapêuticos”.
Uma primeira edição desta publicação – não comercializada – teve por foco a distribuição entre os integrantes das comunidades quilombolas. Com esta finalidade seu lançamento ocorreu durante a X Festa da Ostra, realizada no quilombo Kaonge, em Cachoeira, no mês de outubro de 2018. Durante uma atividade realizada como parte da programação daquele evento, os praticantes terapêuticos puderam se ver nas belas imagens do livro e reconhecer-se uns aos outros nesse processo de construir um patrimônio terapêutico local, assim como compartilhar suas experiências.
Esta segunda edição, que agora trazemos a público por meio da Editora da Universidade Federal da Bahia (Edufba), foi cuidadosamente revisada e ampliada, assim como incluído detalhamentos adicionais em relação aos desafios da pesquisa com terapêuticas tradicionais e às comunidades quilombolas.