
Este é um livro sobre religiosidade que apresenta as experiências narradas dentro de um corpo-território – o Ceará –, em especial pela pele-semiárida da região do Cariri. Quem fala nesse organismo são as vozes não oficiais: as epistemologias nativas de rezadeiras, educadoras e educadores, romeiras e romeiros, jovens, idosas e idosos que refletem conhecimentos como arte, espiritismo, teatro e liberdade religiosa em suas autobiografias.
Aqui, o sujeito humano e suas práticas da diversidade não foram expulsos da ciência e, por isso, esta coletânea ganha sentido, com as testemunhas da cultura, através de uma educação territorializada. Dentro desse órgão eu também me movimento. Sou parte de trajetos feitos por um pensamento orgânico, seja como professora ou como escritora cofundadora da Sociedade dos Cordelistas Mauditos: um movimento cultural ligado à poesia do folheto que nasceu bem dentro do campo da tradição nordestina – na cidade de Juazeiro do Norte, de onde sou nativa.
Nesse contexto, publicamos 12 títulos de cordéis no ano 2000, todos intitulados – com subtítulos diferentes – Agora são outros 500, para se referir às comemorações dos 500 anos do Brasil. Falamos de um momento em que toda e qualquer relação com o sagrado foi excluída, subjugada e silenciada pelo catolicismo apostólico românico, literalmente de Roma, em terras indígenas-cabocla.
Enquanto alguns discursos midiáticos, escolares, nacionais e religiosos comemoravam os “500 anos do Brasil”, os versos dos “mauditos” faziam uma revisão e crítica radical dessa colonização, bem como da visão do folheto de feira como cultura nacional. Não havia muito a comemorar em ambos os casos. Um olhar mais apurado poderá perceber como se configuraram as estratégias de dominação e visão de mundo na colonialidade.
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