A sobredeterminação da filosofia (e muito especialmente da filosofia política) pela vontade de verdade remonta a Platão. No livro X da República tem lugar a cena originária de uma história de exclusões, que começa com a expulsão dos falsários da cidade.
Para Platão, o carácter ficcional ou mimético da poesia, longe de contribuir para a fundação da cidade, põe-na em perigo. Os autores trágicos em particular, e a ficção (μίμησις, mimesis) em geral, ameaçam causar estragos nas almas dos homens e induzir a desagregação do corpo social. A ficção está longe da verdade (encontra-se a três degraus abaixo da realidade da ideia), e, nesta medida, ameaça enganar as crianças e homens néscios com uma ilusão de verdade.
E isso para Platão não pode pressagiar nada de bom.
Mas mesmo não percebendo nada do ser, mesmo compondo apenas coisas depreciáveis comparadas com a verdade, o filósofo teme nestes falsários um inimigo poderoso, e na ficção uma força subversiva irredutível: “qualquer arte ficcional faz os seus trabalhos a grande distância da verdade e trata e tem amizade com aquela parte de nós que se aparta da razão, e isto sem nenhum fim são nem verdadeiro (…) só o vil é engendrado pela arte da ficção (…) o poeta imitativo implanta privadamente um regime perverso na alma de cada um, condescendendo com o elemento irracional que leva em si (…) criando aparências inteiramente apartadas da verdade (…) aquele que a oiça há-de cuidar-se temendo pela sua própria república interior”.
A fundação da cidade pelo filósofo, portanto, implica, em nome da verdade, a excomunhão dos poeta e dessa potência do falso que Platão não entende, ou não quer entender, mas que certamente não menospreza do ponto de vista da sua potência política.
E assim começa esta história.
O questionamento da verdade como valor, contudo, e muito especialmente como valor filosófico, não desconhece um lugar importante no pensamento contemporâneo. Prolongamento inevitável do projecto crítico da modernidade, devemos a Nietzsche o ter assentado as bases dessa problematização, que remete a verdade à vida, invertendo a escala de valores, fazendo da verdade algo que só tem valor com relação aos modos em que é pensada e querida, desfazendo, portanto, a subordinação acostumada da vontade e do
pensamento ao verdadeiro.
A Postulação Da Realidade: Filosofia, Literatura Política
- Ciências Sociais, Filosofia, Literatura
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