
Na obra A Literatura Em Perigo, o teórico búlgaro Todorov traça uma crítica ao sistema educacional francês onde o ensino de literatura é comparado a um edifício em construção cujos andaimes, depois de pronto o edifício, deveriam deixar de ser o centro das considerações.
Para o autor em questão, o que deveria importar seria o prédio, sua funcionalidade, sua arquitetura, mas o que se percebe é a manutenção dos andaimes e a (re)produção destes como objetos de estudo.
Faz mais de uma década que tal crítica foi tecida e permanece, infelizmente, atual. Ao organizar este livro acerca do ensino de literatura e de leitura literária, o que norteou as ações empreendidas foi a vontade de ir ao encontro de leitores, livros, críticos, pedagogos, docentes, discentes nessa incompletude fundante que nos rodeia e nos impele a bradar a plenos pulmões: se a literatura corre perigo, ainda há quem lute por ela.
Diante de uma diversidade de temas, de experiências e de problematizações tão abundantes, torna-se necessário não somente apresentar ao leitor uma obra definitiva, mas um livro que se inscreve para continuar o ímpeto dos que bradam pela literatura e que busca servir de inspiração para outros livros, tal qual o galo, do poema de João Cabral de Melo Neto que, sozinho, não tece uma manhã.
É preciso que os leitores encontrem aqui não proposições irrefutáveis ou ideias acabadas e prontas, mas resquícios de esperança que se aliem à coragem e à determinação de ir adiante, de seguir além e aquém dos discursos que negligenciam, que visam tolher, desqualificar e deslegitimar a literatura em sala de aula e fora dela.
O texto de Todorov que dá inicio ao presente prefácio não traz um assunto de todo inédito. Quem já teve acesso a textos como A Literatura E A Formação Do Homem e O direito À Literatura, ambos de Antonio Candido, ou Literatura Para Quê?, aula inaugural de Antoine Compagnon no Collège de France, estará familiarizado com a temática.
Neste caso, o que a repetição faz é mais que reiterar, é estender, é ampliar, é apanhar os gritos e lançar a outros, tecendo manhãs. Que possamos nós, autores, leitores, expectadores e atores das práticas linguageiras nas quais nos fazemos presentes defender a literatura e tecer amanheceres nos quais os andaimes dos edifícios em construção sejam coadjuvantes.
Assim, aos poucos, resgatemos as luzes dos textos que não terminaram de dizer o que tinham para dizer e que ainda têm muito que constituir, formar e encantar os mundos que enovelam olhares, gestos e canções de um universo no qual as pessoas se dispõem a conhecer o mundo e a si mesmas, humanizando-se.
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