
Em 1905 é lançada a obra Últimos Sonetos, do poeta catarinense Cruz e Sousa. Publicada postumamente, a coletânea reunida pelo amigo Nestor Vitor marca o apogeu estético do mais notório simbolista brasileiro. O ápice da forma contrasta, todavia, com a angústia do escritor, até então não reconhecido.
Lançada integralmente pela Editora da UFSC (EdUFSC), a obra com mais de 90 sonetos é permeada pela contradição entre o ideal de perfeição esteticamente realizado e a desconsideração desta grandeza pela sociedade da época, diante de um artista negro. Nos poemas, o temor da morte e o assombro do esquecimento convivem com a percepção da morte enquanto redentora diluição do artista na totalidade e nas visões de glória do escritor que pode ser reconhecido por outros artistas.
No soneto nº 8, intitulado “A perfeição”, Cruz e Sousa exalta a sensibilidade do poeta em superar o fardo de uma vida injusta – como a do negro convivendo em uma cidade de brancos, que sequer pôde assumir cargo público a que foi nomeado, unicamente por sua negritude – na busca pelo ideal artístico:
A Perfeição
A Perfeição é a celeste ciência
Da cristalização de almos encantos,
De abandonar os mórbidos quebrantos
E viver de uma oculta florescência.
Noss’alma fica da clarividência
Dos astros e dos anjos e dos santos,
Fica lavada na lustral dos prantos,
É dos prantos divina e pura essência.
Noss’alma fica como o ser que às lutas
As mãos conserva limpas, impolutas,
Sem as manchas do sangue mau da guerra.
A Perfeição é a alma estar sonhando
Em soluços, soluços, soluçando
As agonias que encontrou na Terra!
João da Cruz e Sousa nasceu em Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis, em 1861, filho de negros alforriados. Poeta, colaborou em diversos jornais e revistas e foi um ativista que combateu a escravidão e o preconceito racial. Em 1893, com as obras Missal e Broquéis, consagra-se como fundador do Simbolismo brasileiro. Faleceu em 1898. Postumamente, foram lançados Evocações, Faróis e Últimos Sonetos.
