
Na sala da casa de uma de suas filhas, com o frescor da chuva que escorria pelas ruas quentes do centro de Itapecuru Mirim, no Maranhão, e uma meia luz que atravessava as frestas da janela entreaberta e nos acolhia e aproximava, alinhavávamos mais alguns fios de insurgência e liberdade na colcha de retalhos da história. Nós, escuta e anotação, ele, lutas e reflexão.
A voz que percorria nossos sentidos e deveria ganhar o “mundo dos papeis” ecoava de longe, muito longe, criando imagens da organização política vivida e deixando mais um rastro de rompimento dos silêncios cravados pelo racismo em nosso solo colonial.
“Vocês lavradores não são nada!” ainda ressoava na cabeça de Seu Justo naquela tarde chuvosa, desde a participação em um encontro do Fóruns e Redes, em Arari, no ano anterior, quando um dos convidados ressaltava a situação dos lavradores para nossos governantes no Brasil, e era repetida para nós três ali: “Vocês não são nada! Não tem nada!!! … Não somos nada?”
Acontecimentos como este não passam batidos por Seu Justo, exigem reflexão apurada e posicionamento estratégico. E era justamente a fortaleza de seu pensamento contra as armadilhas de desconstituição do ser lavrador, que fecunda o chão e luta pela terra e por valores de dignidade, que contemplávamos.
E para nossos sentimentos, Seu Justo cantou ali na sala novamente a música que os lavradores escutaram aquele dia em que souberam mais uma vez que não tinham valor para os que querem dominar a terra, a natureza e escravizar mulheres e homens.
Formado com os mestres e mestras, na roça, nos cantos, nas palavras e nas lutas, Seu Justo emociona e dá sentido à vida coletiva e fraterna que vive, nutrindo a esperança de um mundo mais justo, em que ganhos só podem ser medidos em passos conjuntos, contra a escalada individualista das hierarquias que nos devoram.
No tempo maior da grilagem, em que se fazia luta de chinelo e se andava a pé pelas veredas que cortavam as fazendas, abrindo dezenas de porteiras para chegar nas casas dos lavradores, seu Justo se fez lutador e assim permaneceu a vida inteira, “um lavrador de terras, ideias e ideais”.
Orgulho que carrega no peito e no coração, sua fé e dignidade não cederam aos brilhos e os riscos o encorajaram mais. Das certezas, uma é de que está vivo e viveu! Pois, no caminho que trilhou, muitos tombaram!
