Assombrado com as explicações pseudocientíficas e místicas que ocupam cada vez mais os espaços dos meios de comunicação, Carl Sagan reafirma o poder positivo e benéfico da ciência e da tecnologia para iluminar os dias de hoje e recuperar os valores da racionalidade. Como todos os livros do autor, O mundo assombrado pelos demônios está cheio de informações surpreendentes, transmitidas com humor e graça. Seus ataques muitas vezes divertidos à falsa ciência, às concepções excêntricas e aos irracionalismos do momento são acompanhados por lembranças da infância, quando seus pais o colocaram em contato pela primeira vez com os dois modelos de pensamento fundamentais para o método científico: o ceticismo e a admiração.
Era um tempestuoso dia de outono de 1939. Nas ruas ao lado do prédio, as folhas caídas rodopiavam em pequenos redemoinhos, cada um com vida própria. Era bom estar dentro de casa, aquecido e seguro, minha mãe preparando o jantar na cozinha. No nosso apartamento, não havia garotos mais velhos que implicassem com os menores sem motivo. Ainda na semana anterior, eu me envolvera numa briga — não consigo lembrar, depois de todos esses anos, com quem eu tinha brigado; talvez fosse com Snoony Agata, do terceiro andar — e, depois de um murro violento, vi que tinha enfiado o punho pelo vidro laminado da vitrine da farmácia de Schechter.
O sr. Schechter foi solícito:
— Não se preocupe, eu tenho seguro — me disse, enquanto punha um anti-séptico incrivelmente doloroso no meu pulso. Minha mãe me levou ao médico que tinha consultório no andar térreo de nosso prédio. Com uma pinça, ele extraiu um fragmento de vidro. Usando agulha e linha, deu dois pontos.
— Dois pontos! — meu pai repetira mais tarde, naquela noite. Ele sabia o que eram pontos, porque trabalhava como cortador na indústria de vestuário; a sua tarefa consistia em usar uma serra mecânica muito assustadora para cortar os moldes de uma enorme pilha de tecidos — as costas, por exemplo, ou as mangas de casacos e trajes femininos.