Existem momentos nos quais, quase à revelia da consciência, o pensamento social registra uma mutação. Parece que isto ocorreu no Brasil. De repente, depois de anos de crítica ao autoritarismo, à exclusão social e à exploração econômica da maioria da população, os textos dos cientistas sociais começam a falar do “novo”.
Obviamente, a dura crítica feita ao “modelo de crescimento dependente associado”, aos efeitos sociais perversos do “capitalismo selvagem”, à concentração exponencial da renda — enfim à ordem vigente — não foi descabida, nem em vão. Ela constitui um exemplo de como pôde a intelectualidade brasileira buscar padrões de integridade intelectual e política em plena vigência de um regime autoritário. Mas é, hoje, insuficiente.
Os textos que este livro reúne são os produtos de um outro tipo de situação e de preocupação. No fundo, o que eles dizem é que, a despeito de tudo, deu-se, como escrevi acima, uma mutação na sociedade e na forma de atuação dos grupos, classes e movimentos que lhe dão vida. Mutação não implica juízo de valor: não se discute aqui se “antes” (de 1964) da urbanização acelerada? da nova industrialização?) era melhor ou pior. Se o futuro será cheio de ventura ou não. E é este o encanto do livro: ele constata, aponta tendências, reconhece transformações e, vez por outra, desilude os que pensam que toda mudança estrutural aponta para a esperança.
Mas não há dúvida: o país não é mais o mesmo. Da fenomenologia crítica das fases do autoritarismo, feita por Carlos Estevam Martins e Sebastião Cruz, à análise das mudanças dos padrões de produção intelectual feita por Otávio Velho, não fica pedra sobre pedra da herança relativa à anterior visão do Brasil.
No cerne deste processo (do ângulo sociológico, pois o livro não trata da economia) estão as grandes mudanças na estrutura social: a urbanização e o sistema de empregos, como as descreve Vilmar Faria. E o livro reconhece o que custou mais a aceitar: a estrutura agrária também mudou. Capitalizou-se a economia; a grande unidade de produção exerce seus efeitos; a nova tecnologia afeta o modo de os homens produzirem e se relacionarem, como Sorj e Wilkinson o demonstra.