
Lançado originalmente pelo Instituto Estadual do Livro (IEL) em 2006, Minimundo foi finalista do Prêmio Açorianos, em 2007, na categoria livro de contos, e conquistou o prêmio “O Sul, Nacional e os Livros” como Autor Revelação, também em 2007.
São dezenas de contos curtíssimos sobre super-heróis, fantasmas, cultura pop, mitos, Coca-Cola, Deus jogando videogame e outros personagens incomuns em situações mundanas (ou nem tanto).
— Esta é a mais longa das noites — disse o demônio da mentira, um dos únicos demônios a me visitar naquela madrugada.
— Diga algo que não seja verdade. Disso que você falou eu já sei — respondi.
— Esqueça esse livro e vá dormir — ele sugeriu. — Sua mulher lhe espera, quente, no leito macio do descanso. O que você faz ainda no frio da madrugada?
— Tenho de terminar o livro. Tenho.
Ele então me fez lembrar de todas as noites com minha mulher, as madrugadas de amor suado, os pesadelos confortados em seus braços e os sonhos acalentados entre os aromas de seu pescoço. Quase cedi à tentação, mas voltei a digitar, fingindo que não mais percebia a sua presença.
— Pare de escrever agora e lhe recompensarei.
Fez aparecer à minha frente três mulheres lindas, das mais lindas que já vi ou sonhei, em trajes sumários que agradavam a vista e as fantasias. Pisquei com força e voltei a escrever.
— Você não é fácil — ele me disse.
— Não sou fácil — confirmei.
Ele ofereceu os manjares, pratos e doces de todos lugares do mundo, doces com os quais eu nunca sonhara, o néctar colhido das flores do Éden e usado em receitas ancestrais por doceiras italianas. Os animais mais belos e dóceis para que eu pudesse acariciar e contar meus segredos. A cura para o meu sono inquieto, a resposta para uma pergunta qualquer de minha escolha.
— Não sou fácil — disse eu ao demônio da mentira. — E assim creio: que se você é o demônio da mentira, nada do que me promete pode ser verdadeiro.
— A tentação é verdadeira.
— A vontade que é verdadeira — fechei o notebook, livro pronto.
— Você não é fácil — disse-me.
— Não sou fácil — repeti. — Quer uma cerveja?
— Já que estou aqui — disse ele, dando de ombros e sentando numa das
poltronas, vencido.
Bernardo Moraes nasceu em 1982, em Porto Alegre (RS). Fez oficinas literárias, foi da primeira turma do mestrado em Escrita Criativa da PUCRS e depois foi para a Inglaterra fazer o PhD em Escrita Criativa. Minimundo foi sua primeira publicação, em 2006. Segue escrevendo e dando aulas.











