
Desde o momento da fundação da nação em Ourique as narrativas míticas desempenharam um papel fulcral e imprescindível para a existência da cultura portuguesa. Portugal, basicamente, pensava-se através dos seus mitos e construiu a sua identidade nacional com a ajuda destes discursos ficcionais.
O mito de D. Sebastião, isto é, aquela narrativa mítica que se desenvolveu em torno da figura do jovem rei do século XVI, sem qualquer dúvida, é um dos mitos mais complexos, mais significantes e mais importantes da tradição portuguesa, que durante longos séculos enriquecia e nutria a memória cultural do país, e contribuía para a legitimação discursiva da identidade nacional.
O mito cujas raízes remontam até à tradição hebraica do Antigo Testamento e acompanham a fundação de Portugal com o milagre de Ourique, passou a ser uma das narrativas fundamentais e simbólicas da identidade cultural a partir do fim do século XVI.
Este estudo, partindo da própria história do mito sebástico e do seu papel central no padrão da autognose nacional, analisa como é que a literatura pós-25 de Abril reescreve e reinterpreta a narrativa mítica do sebastianismo.
No quadro da complexa transformação de mentalidades do período pós-revolucionário, Portugal começou a repensar e reformular a sua identidade, o que significou que queria afastar-se, quanto mais possível, daquelas narrativas e daqueles modelos que o definiam durante vários séculos e que o Estado Novo extrapolou na forma duma ideologia nacional.
A perda do estatuto colonial, a nova posição geopolítica do país no contexto europeu, o colapso das grandes metanarrativas nacionais e a aproximação do fim do milénio contribuíram juntos para a necessidade de reformular a identidade cultural do país.
A literatura pós-25 de Abril, assim, virou-se contra as antigas narrativas míticas e históricas, reescreveu e reinterpretou as leituras vigentes e canonizadas do passado glorioso, subverteu a complexa mitologia nacional, e colocou-se numa posição evidentemente crítica para com as tradições nacionais.
Tendo em conta isto, este estudo apresenta através da análise de quatro romances como é que o mito sebástico se desconstrói e se reescreve na literatura pós-25 de Abril.
Os quatro romances que constituem o corpus analítico do trabalho – nomeadamente O Mosteiro (1980) de Agustina Bessa-Luís, As Naus (1988) de António Lobo Antunes, Jornada de África (1989) de Manuel Alegre, e O Conquistador (1990) de Almeida Faria – na minha leitura, através de diversas estratégias discursivas, pretendem realizar o mesmo objetivo, isto é, a desconstrução e a profanação do mito de D. Sebastião.
Desta forma, o estudo analisa como é que estas quatro obras ficcionais do corpus reinterpretam e reescrevem com a ajuda de poéticas diferentes a narrativa do soberano mítico dentro das matrizes da cultura pós-revolucionária e pós-moderna.
