Em Que farei quando tudo arde? a carnavalização do homem chega ao seu extremo, juntamente com a crítica aos valores e normas ditados pela sociedade ocidental e, particularmente, pela cultura portuguesa. No romance ora apresentado, o leitor se depara com um quadro de total dilaceramento humano.

A narrativa é conduzida por Paulo, um jovem viciado em heroína, que acaba sendo internado em um hospital. Tudo o que esse protagonista quer é ter uma vida “normal”, pois a sua realidade destoa dos padrões sociais.
Mas, o que tanto o incomoda? Perguntaríamos a princípio. À medida que o leitor mergulha no universo de Paulo percebe que há inúmeros fatores externos que contribuem para a triste sina do personagem: o travesti, a que atribui sua paternidade, não é seu pai, mas no final acaba sendo; a sua mãe é alcoólatra e se prostitui em troca de pinhas, conchas e quando muito, uma moeda; a sua avó materna não o reconhece enquanto neto e os próprios pais vivem um misto de aceitação e repulsa em relação a sua pessoa.
Em Que farei quando tudo arde?, Lobo Antunes dessacraliza a ideia da sagrada família imposta pela moral cristã. Na referida obra, Deus é um velho decadente que observa sem habilidade as pessoas do alto de um hotel. Dessa forma, o núcleo da narrativa é a tríade Paulo, Carlos e Judite, que representa o aniquilamento daquilo que a sociedade ocidental cristã entende por família. Os três personagens principais do romance em estudo aparecem como fantasmas sem identidade própria, perambulando sem fim rumo a um trágico destino. O vazio existencial é detectado em cada um deles. A degradação e a falta de sentido da vida são experimentadas por todos ininterruptamente. Paulo e seus pais não sabem quem são. Perdidos entre a multiplicidade e a fragmentação, estão distantes da ordem e dos costumes da tradição ética e religiosa do Ocidente...(Tercia Costa Valverde - O dilaceramento do Ser em Que farei quando tudo arde?, de Lobo Antunes)